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Ecoansiedade: como eventos extremos impactam a saúde mental

Seis meses após enchentes devastarem o Rio Grande do Sul, gaúchos ainda convivem com o medo de novas catástrofes

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IGO ESTRELA/METRÓPOLES
Famílias voltam para casa após enchentes no RS
1 de 1 Famílias voltam para casa após enchentes no RS - Foto: IGO ESTRELA/METRÓPOLES

Seis meses após as enchentes no Rio Grande do Sul, o medo ainda acompanha muitos moradores. O som da chuva ou uma previsão de tempestades desperta ansiedade e incertezas.

“Sem dúvida, passou a ser uma dor de cabeça para todos os gaúchos, especialmente das regiões afetadas, porque, obviamente, e até por ser recente, não conseguimos encarar com normalidade uma previsão de chuva para as próximas semanas, ou algum tipo de temporal”, diz o empresário Pedro Viana, de 30 anos, morador de Porto Alegre.

Mesmo não tendo sua casa atingida pelas cheias que prejudicaram a região, ele conta que o sentimento de insegurança diante das chuvas é quase constante. Durante dias, Pedro viu de perto o desespero de muitas famílias que perderam tudo em questão de horas.

Na época do ocorrido, o gaúcho chegou a criar a “Tô Salvo”, uma plataforma que ajudava pessoas que estavam em abrigos e sem celulares ou meios de comunicação a encontrar parentes e amigos próximos.

O empresário não é o único que fica apreensivo diante de novas chuvas ou ventos mais fortes. Assim como ele, a comerciante Amália Abdala, de 52 anos, sofre com as previsões de temporal. Moradora da cidade Guaíba, ela teve seu comércio atingido pela enchente de abril e, até o momento, não conseguiu reestruturar o local para continuar vendendo marmitas.

Sua casa também foi danificada pelas inundações e ainda segue com a estrutura comprometida. Ela conta que até hoje tem medo das chuvas fortes e que sua saúde mental ficou prejudicada. “Não fui afetada com a perda da casa, porém, estou sem trabalho no momento e com o psicológico abalado”, conta.

Na semana passada, um vento forte atingiu a região onde ela mora, prejudicando o abastecimento de luz. “Eu não conseguia parar de olhar para o céu pedindo a Deus que acalmasse o tempo, pois o telhado da minha casa tem uma parte que está com a estrutura prejudicada, o meu medo é que poderia cair o telhado”, desabafa.

Essa ansiedade constante diante dos fenômenos climáticos extremos tem nome: ecoansiedade. O termo surgiu na década de 1990, segundo a Associação Americana de Psicologia, e se consolidou diante das mudanças climáticas. Ele descreve o medo persistente de catástrofes como chuvas intensas, tempestades, tsunamis, aumento das temperaturas e ondas de calor.

“É um sentimento generalizado relacionado ao meio ambiente, muito também ligado à expectativa de uma catástrofe, ao medo de que algo possa acontecer”, explica Alfredo Maluf, psiquiatra e coordenador da Psiquiatria do hospital Albert Einstein.

Sintomas e pós-trauma

Psicoterapeuta e professor colaborador do curso de especialização em Terapia Cognitivo-Comportamental em Saúde Mental da Universidade de São Paulo (USP), Armando Ribeiro enfatiza que a ecoansiedade está profundamente conectada ao desejo de cuidar do planeta para as próximas gerações.

Os sinais da condição incluem pensamentos recorrentes sobre desastres, insônia, irritabilidade e sintomas físicos, como fadiga e falta de ar, refletindo a carga emocional que muitos enfrentam ao lidar com as constantes notícias negativas sobre a degradação ambiental.

Daiane Rocha de Oliveira, psicóloga e membro do Laboratório de Mensuração e Intervenções Neurocognitivas no Desenvolvimento (Lab-MIND), explica que o termo está relacionado a sintomas de medo e preocupação com as consequências ambientais, afetando tanto a vida pessoal do indivíduo quanto a percepção do impacto no mundo.

Eventos climáticos extremos também podem desencadear transtornos mais severos, como o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). Maluf ressalta que pessoas que vivenciaram desastres podem ter flashbacks, pesadelos e um estado de alerta constante.

Mas o TEPT não afeta apenas quem viveu essas experiências, segundo o especialista. Ele também pode afligir aqueles que consomem excessivamente notícias sobre desastres, levando a uma ansiedade generalizada.

Grupos vulneráveis ao problema

A ecoansiedade não se manifesta da mesma forma em todas as idades. Crianças e adolescentes, que dependem de um senso de segurança e previsibilidade para se desenvolverem, são particularmente vulneráveis aos impactos da crise climática.

“Eles sentem uma responsabilidade maior em ‘salvar o planeta’, o que pode intensificar a ecoansiedade”, observa Armando Ribeiro, da USP.

Já os idosos, diante das rápidas mudanças no clima, podem se sentir sobrecarregados e com medo de novos desastres.

O transtorno de estresse pós-traumático, por sua vez, pode aparecer em todas as idades, com maior incidência em adolescentes e jovens adultos. Oliveira observa que “as diferenças nas manifestações emocionais, tanto na ecoansiedade quanto no TEPT, dependem de fatores como a fase de desenvolvimento do indivíduo, o tipo de trauma vivenciado e a vulnerabilidade social”.

A exposição a novos desastres, como as enchentes no Rio Grande do Sul, aumenta o risco de desenvolvimento desses transtornos, ressalta a especialista.

Apoio psicológico e ajuda conjunta

O apoio terapêutico é fundamental para os afetados por desastres naturais. O professor da USP destaca que a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) ajuda a lidar com pensamentos angustiantes e a construir estratégias de enfrentamento.

Além disso, técnicas de respiração e relaxamento, bem como o apoio de familiares e amigos, são fundamentais para restaurar a sensação de segurança.

“O envolvimento em ações ambientais, como reciclagem ou voluntariado, proporciona um senso de propósito e alívio, permitindo que as pessoas enxerguem suas ações como parte da solução”, diz Ribeiro.

Oliveira complementa que práticas de autocuidado também são essenciais para enfrentar a ecoansiedade e os medos relacionados às mudanças climáticas. Atividades físicas, momentos de introspecção e contato com a natureza ajudam a fortalecer a estabilidade emocional. “Podemos construir um olhar mais resiliente para essas questões, porém não devemos e nem podemos ignorar os riscos.”

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