Diálise em casa é opção de só 8% dos pacientes, apesar de liberada pelo SUS
O procedimento é semelhante à hemodiálise, mas não obriga o usuário a ir a uma clínica três vezes por semana por quatro horas
atualizado
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Em meio à pandemia do coronavírus, uma das principais recomendações dos infectologistas é manter o distanciamento social. Porém, pacientes que precisam de hemodiálise não podem deixar de ir à clínica três vezes por semana, por quatro horas, passar pelo procedimento. O local fechado costuma reunir vários pacientes na mesma sala e obriga muitos a pegar o transporte público até o centro de saúde.
A diálise peritonial — um procedimento seguro e liberado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) — é usada por apenas 8% dos pacientes que precisam de uma máquina para “limpar” o sangue, de acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN). No Distrito Federal, a estimativa é que 20% das pessoas com problemas renais sejam adeptos. Diferente da hemodiálise tradicional, a versão peritonial é feita em casa, enquanto o paciente dorme.
O médico nefrologista Mário Ernesto explica que é preciso instalar um pequeno cateter no paciente, que passa por um treinamento antes de usar a diálise peritonial. A máquina, mais ou menos do tamanho de uma mala, joga um líquido de diálise no organismo e o peritônio (membrana que cobre os órgãos do abdômen) funciona como filtro.
“O aparelho faz o procedimento cinco vezes por noite e, quando o paciente acorda de manhã está liberado. É uma opção muito tranquila e simples, que traz qualidade de vida. O material é entregue na casa da pessoa, que só precisa fazer um exame de sangue uma vez por mês para verificar se está tudo bem”, diz o especialista. O paciente é acompanhado por um médico via teleconsulta — Mário, de Brasília, atende pela internet um paciente que mora na divisa da Bahia e Piauí, a 500 km da clínica de diálise mais próxima.
Segundo ele, uma das razões da baixa taxa de adesão à diálise peritonial é a falta de conhecimento de médicos e pacientes. “Nos tratamentos iniciais, o efeito é o mesmo. A diálise peritonial tem menor índice de complicação nos primeiros dois anos, que é o tempo de encontrar um transplante, quando necessário. Qualquer tipo de paciente pode usá-la, inclusive. Em Hong Kong, 98% dos pacientes que fazem diálise usam a versão peritonial”, afirma.
A empresária Vera Mendes, 39, descobriu aos 27, depois de uma crise de enxaqueca muito forte e pressão alta, que tinha nefropatia por IgA — uma bactéria que se aloja nos rins e vai danificando os órgãos ao longo do tempo. Ela já tinha perdido 25% da função dos rins e o tratamento padrão era o uso de corticoide.
“O médico me falou que meu cabelo ia cair, que eu ia ficar inchada. Eu não sabia a gravidade do problema e acabei largando o tratamento. Fiquei três anos sem acompanhar, até que passei muito mal, achei que era apendicite ou problema na vesícula, mas eram os rins de novo. Eu só estava com 35% da função renal”, conta a empresária.
Vera iniciou então um tratamento conservador, com uma dieta rigorosa para impedir a danificação dos órgãos. Como os rins já estavam muito mais fracos, o tratamento com corticoide não era mais a opção. A dieta funcionou por quase 10 anos, até que a empresária, em uma viagem à São Paulo, teve intoxicação alimentar.
“Tive uma infecção generalizada, não estava fazendo xixi e fui direto para a UTI com 20% de capacidade nos rins. No terceiro dia de internação, comecei a fazer hemodiálise”, lembra.
Vera não se adaptou bem à hemodiálise, teve anemia e sentiu uma queda brusca de energia. Depois de quatro horas diárias de procedimento, não conseguia mais trabalhar bem ou se exercitar. Até que um primo com problemas renais falou sobre a diálise peritoneal. “A clínica colocou muita dificuldade para me transferir. Mudei de médico, e ele disse que era possível, sim, começar com o procedimento”, lembra.
Desde dezembro de 2019, a empresária faz, sozinha, sua própria diálise por nove horas, seis dias por semana. Ela que higieniza tudo, liga e desliga os tubos e a máquina, e conta que voltou a ter energia e disposição.
“A hemodiálise é um processo desgastante demais, ela tira todo o seu sangue e filtra até as vitaminas e nutrientes. Mantém você vivo, mas tem um preço muito alto. A diálise é diferente, entra um líquido e meu corpo limpa tudo. Foi uma escolha muito boa, hoje acordo, desligo a máquina e vou fazer uma caminhada, até voltei para a academia”, conta Vera.
Hoje, oito meses depois, ela tem de 15% a 18% de função nos rins e espera um transplante para voltar ao normal. Por enquanto, a máquina vai fazendo o trabalho dos órgãos.