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Diabetes 1: tratamento garante vida plena, mas não é a realidade de todos

No Brasil, cerca de 588 mil pessoas vivem com diabetes 1. O número deveria contar com outros 234 mil indivíduos que morreram prematuramente

atualizado

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Arquivo Pessoal
Victor Eduardo mostra livro escrito
1 de 1 Victor Eduardo mostra livro escrito - Foto: Arquivo Pessoal

Entre o susto do diagnóstico e o controle adequado da glicemia, os pacientes com diabetes tipo 1 passam por uma longa jornada de aprendizado e adaptações que começa na infância e, muitas vezes, pode dar errado.

No Brasil, cerca de 588 mil pessoas vivem com diabetes tipo 1. O número deveria contar com outros 234 mil indivíduos, que poderiam estar vivos mas morreram prematuramente por conta da doença. Acesso ao diagnóstico e tratamento, além de informação médica confiável, fazem a diferença entre os prognósticos possíveis para a condição de saúde.

Os dados são do Índice Diabetes Tipo 1, um compilado global de indicadores que busca ampliar as políticas públicas para pacientes com o problema.

“É impressionante como o nível de educação, o acesso à informação e até a cidade onde se vive fazem diferença para os pacientes da diabetes 1”, afirma a endocrinologista Mônica Gabbay, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista no assunto.

A diabetes 1 é uma doença autoimune que não tem a ver com dieta inadequada ou estilo de vida desregrado — fatores conhecidos por estarem diretamente ligados ao desenvolvimento de diabetes tipo 2.

Nos pacientes tipo 1, um defeito no sistema imunológico faz com que o pâncreas, que produz insulina, seja erroneamente atacado por anticorpos. Ainda no início da vida, o órgão fica comprometido e deixa de produzir o hormônio na quantidade necessária.

Geralmente, a diabetes tipo 1 é descoberta na infância após as crianças passarem por uma emergência médica grave chamada cetoacidose diabética. Em situações assim, o organismo já está à beira do colapso: os níveis de açúcar no sangue estão muito altos e é impossível convertê-lo em energia para as células, uma vez que o corpo não produz insulina suficiente.

“A reação do organismo quando não há insulina disponível é usar gordura para produzir energia. Um dos produtos desta reação são as cetonas: o problema é que elas desequilibram o pH do sangue, provocando um quadro de intoxicação e pane geral”, explica Mônica.

Se não for revertida, a cetoacidose diabética pode provocar parada cardíaca ou respiratória.

Diagnóstico e sintomas

Foi em uma situação de cetoacidose diabética que a família de Victor Eduardo Pereira, 12 anos, entendeu que, dali para frente, a vida se transformaria.

Victor tinha 4 anos e seis meses, era saudável e brincalhão. Alguns meses antes da emergência, o apetite e a sede dele aumentaram consideravelmente, mas, apesar disso, a criança emagrecia.

“Eu tinha explicações muito boas para o que estava acontecendo. O apetite e a sede eram hábitos saudáveis que estavam sendo incorporados pelo meu filho. A perda de peso era causada pelo estirão do crescimento”, conta a advogada Vivian Patrícia Pereira Marques, 47 anos, mãe do garoto.

Um sinal, entretanto, chamou atenção para a possibilidade de que algo estava errado. Victor voltou a fazer xixi na cama. “Passei a desconfiar que ele tinha alguma doença e estávamos no processo de investigar quando veio a crise”, relata Vivian.

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No caminho do hospital, com a criança bem molinha, a mãe fez uma pesquisa na internet que sugeriu diabetes como possível diagnóstico e, na emergência da unidade de saúde, a médica que os atendeu estava justamente se aprofundando no estudo da doença.

“O exame de glicemia não faz parte da triagem padrão dos hospitais. Demos sorte porque a médica já veio com um exame de ponta de dedo quando falei que suspeitava de diabetes”, lembra Vivian. Como os sintomas da tipo 1 são inespecíficos, a primeira suspeita nos plantões costuma ser de virose.

Aceitação, informação e tratamento

Há cem anos, antes de a insulina sintética ser inventada, a expectativa de vida de uma criança após o diagnóstico de diabetes tipo 1 era de apenas oito meses. Hoje, se a glicemia é mantida sob controle, o paciente viverá bem por muitos anos, sem os comprometimentos associados à doença.

O desafio número um das famílias e dos pacientes com diabetes é aprender a monitorar e a agir para controlar a taxa de açúcar no sangue, o que demanda medições contínuas da glicose e aplicações de insulina para corrigir os níveis da substância.

O açúcar no sangue, quando não fica estabelecido dentro de uma faixa bastante específica, vira uma espécie de agente corrosivo dentro do corpo. Quando a taxa é frequentemente fora do limite, a glicose vai danificando vasos sanguíneos, rins, coração e olhos. Se cai demais, pode provocar hipoglicemia, um estado que resulta em convulsões e desmaios.

A estudante de medicina Robertha Pereira Navajas, 33 anos, descobriu que tinha diabetes aos 9 anos, quando também estava em um quadro de cetoacidose diabética. Após cinco dias internada, a família voltou para casa com muitas dúvidas e quase nenhuma informação sobre a doença.

“Morávamos no interior, não tinha um especialista que explicasse direito o que era diabetes tipo 1. A gente saiu do hospital sem saber direito o que poderia acontecer, e muito menos como evitar”, conta Robertha, que hoje vive em São Paulo e mantém o perfil @diabetstyle no Instagram para orientar os pacientes como ela.

Na infância e adolescência, Robertha resistia ao tratamento com insulina, tinha medo das agulhas e, de certa maneira, não aceitava as limitações da doença.

“Era muito nova para entender aquilo e também não tinha informação suficiente para assumir a responsabilidade pela minha saúde. Eu pensava: ‘dane-se, não quero nada disso para mim’”, desabafa.

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Quando ela tinha de 14 para 15 anos, em uma visita ao oftalmologista, foi diagnosticada com retinopatia diabética. A substância corrosiva, o açúcar, já tinha afetado seus olhos e o estágio seguinte seria perder a visão. “Ali decidi que precisava me importar, que o assunto era meu mesmo”, lembra.

Naquele mesmo ano, Robertha foi para um acampamento promovido pela Associação Diabetes Juvenil, uma organização criada nos anos 1980 para reunir os pacientes da tipo 1 e seus familiares. “Foi um ponto de virada. No acampamento, conheci pessoas da minha idade que tinham uma realidade semelhante. Decidi que viver bem implicaria em aprender a cuidar de mim”, afirma.

Anos perdidos

O Índice Diabetes Tipo 1 estima que, no Brasil, os pacientes com a condição perdem em média 33 anos de vida saudável por não conseguirem manter uma rotina correta de acompanhamento médico e tratamento da doença. As complicações de saúde mais sérias começam por volta dos 45 anos e deterioram consideravelmente a qualidade de vida.

“A diabetes provoca cegueira, falência renal e amputação de membros. Não é uma doença que as pessoas possam simplesmente ignorar ou cuidar mais ou menos”, afirma Mônica Gabbay.

O padrão ouro do tratamento é praticamente todo automatizado. O paciente usa uma bomba de insulina acoplada ao corpo que faz aplicações de acordo com medições da glicose realizadas por um sensor. Nesse modelo, é preciso apenas inserir a quantidade de carboidratos ingeridos durante as refeições em um app e realizar aplicações adicionais antes das refeições.

O tratamento ideal, entretanto, é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS) apenas em casos excepcionais. A bomba de insulina só é ofertada para crianças até 2 anos, uma vez que a aplicação com canetas é contraindicada para a faixa etária.

Victor, o filho de Vivian, usa uma bomba dessas desde os 6 anos. A família conseguiu o aparelho, que custa cerca de R$ 50 mil, pedindo ajuda aos parentes e amigos. Robertha também tem a sua, custou R$ 17 mil.

“A bomba de insulina facilita muito o controle, você consegue manter a glicemia no padrão certinho. Para mim, o maior ganho foram as noites de sono. Durmo tranquila hoje porque o sensor apita se tiver algo errado”, conta Vivian, que antes acordava de madruga para medir a a glicemia do filho.

Victor também ganhou independência: com a bomba, ele consegue ter uma vida parecida com a dos colegas da mesma idade, já que não precisa interromper as tarefas diárias para as medições e aplicações. No ano passado lançou um livro em que assume o papel de super-herói e enfrenta a diabetes com a ajuda de seu equipamento mágico. O conteúdo está disponível na Amazon.

No SUS, tratamento é limitado

Porém, a situação de Victor e Robertha ainda é rara entre as pessoas que vivem com diabetes tipo 1. A realidade possível para a maioria dos pacientes da rede pública são os glicosímetros, as fitas medidoras e as canetas de insulina – e isso ainda depende de cada estado, pois o gerenciamento dos insumos disponíveis é responsabilidade dos governos estaduais.

Como as pessoas com diabetes tipo 1 produzem pouca ou nenhuma insulina, o controle da glicemia precisa ser frequente. A medição com glicosímetro costuma ser feita até 6 vezes por dia e, em seguida, são as realizadas as correções com a aplicação do hormônio sintético.

A rotina regrada – até a prática de um exercício exige medição pois pode atrapalhar o controle da glicemia – restringe a vida das crianças e adolescentes. As agulhas, tanto a do aparelho como a da caneta, também pode assustar ou constranger as crianças.

“Os pacientes com diabetes rapidamente precisam aprender a correr atrás, a bolar estratégias para ter acesso ao tratamento. Eles têm de assumir o protagonismo da própria saúde porque isso representa décadas de vida a mais”, aponta a endocrinologista Denise Franco, diretora da ADJ e integrante da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD).

Para Denise, dois pilares conseguiriam tornar a jornada dos pacientes com diabetes tipo 1 mais fácil: investimento em tecnologias para baratear o tratamento da doença e treinamento e educação para os profissionais de saúde e familiares.

“Criar soluções inovadoras e baratas é urgente para ampliar o acesso ao tratamento. Fornecer informações de qualidade para que os pacientes manejem a DM1, o que também passa pelo treinamento dos médicos, é ainda mais importante”, afirma.

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