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Desordem de diferenciação sexual: entenda caso de boxeadoras olímpicas

Lin Yu-ting e Imane Khelif não passaram nos exames de “feminilidade” da Associação Internacional de Boxe, mas competiram nos Jogos Olímpicos

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Imagem mostra a atleta Imane Khelif, de uniforme vermelho, sentada nas cordas do ringue de boxe nas Olimpíadas de Paris - Metrópoles
1 de 1 Imagem mostra a atleta Imane Khelif, de uniforme vermelho, sentada nas cordas do ringue de boxe nas Olimpíadas de Paris - Metrópoles - Foto: GettyImages

As Olimpíadas de Paris, que terminam neste domingo (11/8), foram recheadas de polêmicas. Das condições de higiene do rio Sena ao desgaste das medalhas de bronze, não faltou assunto sobre os jogos. Uma das maiores controvérsias foi sobre as boxeadoras Imane Khelif (Argélia) e Lin Yu-ting (Taiwan) — as duas ficaram nos holofotes a partir da luta da argelina contra a italiana Angela Carini.

A boxeadora desistiu da luta aos 46 segundos por dizer que os golpes de Imane eram “fortes demais”. A partir daí, uma onda de fake news apontou a argelina como atleta transsexual. Não é verdade. Imane ganhou o ouro na categoria até 66kg, e Liu compete neste sábado (10/8) pela medalha entre as mulheres até 57 kg.

Em 2022, as duas foram testadas pela primeira vez para verificar se eram elegíveis para a disputa feminina. O resultado foi inconclusivo. Em 2023, ambas foram impedidas de participar do Mundial na Índia. Desta vez, a Associação Internacional de Boxe (IBA) disse que Imane e Lin tinham características biológicas que não seriam compatíveis com a classificação de “feminilidade”.

O que acontece com as duas boxeadoras provavelmente é uma desordem de diferenciação sexual (DDS) — não foram divulgados resultados de exames, mas a delegação da Argélia afirmou que Imane tem hiperandrogenismo, uma condição que causa níveis excessivos de hormônios masculinos.

A comunidade internacional debate se as duas têm composições cromossômicas diferentes, sendo XY (antigamente, a anomalia cromossômica era chamada de intersexo). Na escola, aprendemos que mulheres têm dois cromossomos X, enquanto os homens são XY. Porém, nem sempre é assim — esses casos se encaixam nos DDS.

São cerca de 40 condições que têm desenvolvimento sexual diferente do usual. Para algumas pessoas com DDS, o cromossomo Y pode não ser completamente formado. Por isso, os cientistas acreditam que um gene específico, chamado de SRY, é que determina se uma pessoa é biologicamente homem ou mulher. Pode ser que indivíduos com DDS nasçam sem esse gene específico e se desenvolvam como mulheres.

Fotografia mostra a atleta Lin Yu-ting de uniforme vermelho em frente a um painel qu ediz, em inglês, mulheres até 57 kg - Metrópoles

O pai de Imane defendeu a filha, divulgou imagens da atleta criança, e afirmou que ela nasceu biologicamente mulher e foi criada assim. Na Argélia, ser transsexual é crime. Liu também nasceu com genitália feminina e cresceu como mulher. Ela começou a lutar boxe para defender a mãe da violência doméstica.

Os dados clínicos e laboratoriais das boxeadoras não foram divulgados publicamente, e toda a discussão acontece em especulação. O presidente da IBA afirmou que Imane tem cromossomos XY, mas nunca mostrou nenhum laudo que comprove a informação.

Atletas com DDS levam vantagem nos esportes?

Não existe consenso até hoje sobre se as atletas com DDS têm vantagem nos esportes. No caso do hiperandrogenismo, por exemplo, a atleta pode ter mais testosterona pela falha em um gene no cromossomo X.

“A síndrome de insensibilidade androgênica é causada por uma alteração em um gene localizado no cromossomo X, que normalmente produz uma proteína que é um receptor responsável pela entrada do hormônio testosterona nas células. Se a pessoa tem uma mutação neste gene e não tem um segundo cromossomo X, a testosterona é produzida em altas doses, porém, não entra dentro das células”, explicou o médico geneticista Salmo Raskin, diretor científico da Sociedade Brasileira de Genética Médica e Genômica, em entrevista ao jornal O Globo.

Segundo ele, a pessoa com a condição rara teria níveis altos de testosterona no sangue, mas o hormônio não influenciaria o desenvolvimento de massa muscular. Assim, apesar de ter um cromossomo Y, ela não teria vantagem competitiva.

Em contrapartida, se a atleta tiver deficiência da produção da enzima 5-alfa-redutase, ela pode não ter órgãos sexuais masculinos, mas a testosterona se acumula e age nos tecidos. Assim, o indivíduo teria aumento de massa muscular e presença de pelos mais longos.

Outra opção é que a genitália seja feminina, mas que os testículos fiquem dentro do corpo. “Quando atingem a puberdade, elas começam a produzir testosterona — e isso representa uma vantagem masculina nos esportes”, disse Emma Hilton, bióloga do desenvolvimento que estuda doenças genéticas, em entrevista à BBC internacional.

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“Porém temos que lembrar que se trata de condições raras, e o impacto no esporte é ainda mais raro. Ainda não há estudos científicos que comprovem de maneira irrefutável se e em quais circunstâncias existem estas vantagens competitivas, e a proporção destas possíveis vantagens. É uma área ainda em investigação”, afirma Raskin.

O médico lembra que essas atletas não fizeram nada de errado, não se doparam e não infringiram as regras do jogo. Por isso, não devem ser vítimas de bullying, preconceito, ignorância e estigmação.

“Se realmente tiverem vantagens competitivas que outras atletas não podem ter com talento, esforço e perseverança, um espaço adequado e respeitoso tem que ser encontrado para que possam praticar e ser vitoriosas no esporte e na vida”, concluiu.

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