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Deseja um 2022 mais leve? Especialista ensina como ter esperança

Professor da PUCRS, Christian Haag Kristensen estuda os efeitos do estresse pós-traumático e indica estratégia para manter a saúde mental

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pessoas segurando velas 2022
1 de 1 pessoas segurando velas 2022 - Foto: Getty Images

Começar 2022 com otimismo e esperança, principalmente em meio às incertezas da Covid-19, não é tarefa fácil. Neste quase “pós-pandemia”, ficam mais evidentes as consequências e as repercussões da doença nos aspectos emocional e comportamental das pessoas, especialmente naquelas que vivenciaram a infecção e o luto.

“A pandemia de Covid-19 se mostrou um evento com grande potencial para alterar o curso normal da resposta de luto”, explica Christian Haag Kristensen, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Segundo o especialista, estima-se que, para cada morte por Covid-19, cerca de nove pessoas — entre cônjuges, filhos, pais e avós — tendem a ficar enlutadas e, por vezes, em um luto persistente, que dura mais de 12 meses.

Ainda assim, de acordo com Kristensen, é possível iniciar o próximo ano com mais leveza. Para isso, é preciso olhar para as evidências, ou fatos, e se lembrar do conhecimento adquirido nos últimos dois anos.

“Creio que o fundamental é mantermos a esperança, e isso não é pouca coisa. Mas temos boas razões para isso. Hoje sabemos mais sobre a Covid-19 do que sabíamos antes. Ainda, há na sociedade uma valorização crescente da ciência, e isso é fundamental em um momento no qual ainda há muita polarização e argumentos ideológicos sobre questões de saúde pública”, completa o especialista, que é pesquisador do tema Transtorno de Estresse Pós-Traumático.

Confira a entrevista completa com Kristensen, sobre o balanço da saúde mental durante a pandemia e como começar 2022 mais leve:

Depois do abalo mental experimentado por tantas pessoas nesta pandemia, é possível começar o novo ano de forma mais leve?

Sim, é possível iniciarmos 2022 com mais leveza e, principalmente, com mais esperança. Isso não significa dizer que vamos esquecer ou “deixar para trás” tudo o que passamos. Vivemos e estamos vivendo algo inaceitável em termos de saúde pública. Então não é possível “dourar a pílula”.

Por outro lado, em nosso país, temos hoje uma expressiva cobertura vacinal, uma rede pública de atenção à saúde como em poucos países e sabemos muito mais sobre os mecanismos de transmissão do que sabíamos no início da pandemia. Novos fármacos para o tratamento estão sendo desenvolvidos. Ou seja, entraremos em 2022 mais preparados para enfrentar a pandemia de Covid-19 do que estávamos em 2020 ou mesmo neste ano que se encerra.

Na terapia cognitivo-comportamental, trabalhamos muito com os pacientes o exame das evidências, em comparação às crenças – algumas vezes distorcidas. E quando examinamos as evidências, ou seja, os fatos, podemos ter alguma esperança sim.

O que diria para aquelas pessoas que precisam seguir, mas ainda experimentam o luto, que se tornou muito mais complicado na pandemia?

Por conta do elevado número de óbitos, da rápida progressão da doença, das medidas de restrição nos casos de internação/UTI e das alterações em velórios e funerais, a pandemia de Covid-19 se mostrou um evento com grande potencial para alterar o curso normal da resposta de luto. Estima-se que para cada óbito por Covid-19, em torno de nove pessoas (cônjuges, filhos, pais, avós) ficarão enlutadas.

O problema maior está naquelas pessoas que poderão desenvolver uma reação de luto persistente, com manifestações durando 12 ou mais meses após a perda, que incluem dor emocional intensa, como culpa, raiva e tristeza, dificuldades para aceitar a perda do ente querido, preocupações persistentes com o falecido e intensa saudade. Quando isso se apresenta e traz sofrimento ou prejuízos no dia a dia, podemos ter um caso de Transtorno de Luto Prolongado.

Estima-se que este transtorno se apresente em 7% das pessoas enlutadas, e pode vir acompanhado de outras reações. Então é importante diferenciarmos o que é uma reação normal de luto do que pode ser, em alguns casos, um transtorno mental – e isso é extremamente relevante neste contexto da pandemia de Covid-19 pelos fatores que já mencionei.

Mesmo com a vacinação avançada, precisamos lidar com novas ameaças – como a variante Ômicron, por exemplo – que assustam até termos certeza do real impacto. Há pessoas que se sentem “estacionadas”, esperando uma melhora total para seguir com suas vidas?

Sim, algumas pessoas podem se sentir dessa maneira. Não há um jeito “certo” de lidar com o que estamos passando e ainda iremos passar. Sugiro que os sentimentos sejam compartilhados com parentes, amigos ou mesmo profissionais. Ou seja, não se deve isolar das pessoas que lhe são importantes na vida. Procurar manter uma rotina que envolva cuidar de si e dos familiares, incluindo sono, alimentação e atividade física adequados, também é importante.

Na realidade do seu consultório, quais as principais queixas emocionais relacionadas à pandemia?

É preciso ter claro que a pandemia impactou enormemente a saúde mental. Ao mesmo tempo em que aumentou a demanda (pessoas que agravaram problemas emocionais existentes ou que iniciaram o sofrimento emocional neste momento), também interferiu com o funcionamento ou interrompeu os serviços de atenção à saúde mental – e foi assim no mundo todo.

Na prática clínica, as queixas são muito variadas e, também, para um mesmo indivíduo, mudando de acordo com o momento da pandemia. Em março e abril de 2020, as pessoas estavam com muito medo, muito apreensivas em relação a algo que não conhecíamos. A ideia (que hoje se mostrou equivocada) de que o contágio por superfícies poderia ser um dos principais mecanismos de transmissão levou muitas pessoas a aumentarem suas preocupações com toques em objetos. É fácil lembrarmos da época em que passávamos álcool em todos os produtos após a compra no supermercado.

Com o tempo, à medida que avançou o conhecimento sobre a doença, incluindo aí os mecanismos de transmissão, os casos de depressão, ansiedade, esgotamento emocional, problemas no sono e abuso de substâncias (álcool, drogas ilícitas, medicamentos) foram se tornando mais frequentes. Idosos foram muito impactados, tendo em vista as medidas de distanciamento social. Crianças e adolescentes, privadas do convívio com pares e do dia a dia nas escolas, também apresentaram muitos prejuízos em termos de saúde mental.

Acha exagero falar em “estresse pós-traumático” por ocasião de uma pandemia como essa, especialmente entre os enlutados?

Sem dúvida, a pandemia de Covid-19 é um evento estressor potencialmente traumático. No entanto, para estabelecermos formalmente um diagnóstico de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, algumas condições devem ser atendidas. A experiência da pandemia é diferente para cada um de nós, embora seja, objetivamente, um evento compartilhado por todo mundo, literalmente.

Algumas pessoas, por conta das complicações da doença ou mesmo da natureza de sua atividade profissional, podem sentir, por exemplo, intenso medo de morrer durante uma crise respiratória aguda e grave. Após uma vivência deste tipo e, dependendo do conjunto de sintomas (reações) que a pessoa apresentar ao longo dos próximos meses, poderíamos falar em Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Apenas temos que ter cuidado para não banalizarmos um diagnóstico.

Que sinais denotam, então, a necessidade de uma maior atenção em saúde mental?

Os sinais que podem ser observados e que são indicadores da necessidade de buscar uma avaliação criteriosa por um profissional de saúde mental geralmente envolvem alguma mudança observável no comportamento e/ou sofrimento emocional. Isso pode se expressar como sensações recorrentes de tristeza, ansiedade ou irritabilidade, entre outras manifestações que são duradouras e causam sofrimento e prejuízo no funcionamento da pessoa no seu dia a dia.

Sensação de “tempo perdido”, de experiências não vividas e de “inutilidade” no tempo que passou. Como manejar?

Creio que para quase todo mundo, a pandemia de Covid-19 envolveu (e segue envolvendo) mudanças significativas na rotina e nas interações sociais presenciais. Também planos e projetos foram postergados, ou mesmo abandonados. Os impactos na atividade econômica, no mundo, não são poucos. E, obviamente, estes contextos afetam o dia a dia de cada um de nós. Em algum grau, manejar isso significa, profundamente, aceitar a situação que estamos vivendo. A pandemia ainda não acabou e precisaremos seguir nos adaptando a isso.

Que mensagem deixaria neste momento de incerteza, com novas variantes surgindo?

Creio que o fundamental é mantermos a esperança, e isso não é pouca coisa. Mas temos boas razões para isso. Hoje sabemos mais sobre a Covid-19 do que sabíamos antes – sabemos inclusive nos cuidar de forma mais efetiva, com vacinas, uso de máscaras adequadas, a importância da ventilação nos ambientes e distanciamento social. Ainda, há na sociedade uma valorização crescente da ciência, e isso é fundamental em um momento no qual ainda há muita polarização e argumentos ideológicos sobre questões de saúde pública. (Com informações da Agência Einstein)

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