Depois do sarampo, difteria, pólio e rubéola assombram o Brasil
Baixa cobertura vacinal de doenças erradicadas preocupa especialistas ao ameaçar estratégias de imunização do país
atualizado
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Assim como o sarampo, que reapareceu na vida do brasileiro em 2018 e 2019 – só nos últimos 90 dias, 3.339 casos foram confirmados em 16 estados – outras doenças que, até aqui, estão erradicadas podem voltar a assustar a população brasileira. Rubéola, difteria e poliomielite, por exemplo, estão passíveis de ressurgir por causa da baixa cobertura vacinal.
“É um risco real”, diz a médica Mônica Levi, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). “No caso da rubéola, a vacina é a mesma do sarampo. A doença foi erradicada nas Américas, mas a imunização vem caindo e, com a queda, começam a pipocar casos nos Estados Unidos, México, Argentina e Chile. Não é surto, mas a Organização Panamericana de Saúde (Opas) está preocupada com a situação”, explica a especialista.
Enquanto uma doença não for erradicada do globo, há risco de ser reintroduzida por viajantes, pessoas contaminadas em outros países. Apenas a varíola é considerada erradicada, pois o vírus foi extinto na natureza e só existe em laboratório.
A baixa na cobertura vacinal vem acontecendo, sistematicamente, desde 2016. Segundo dados do DataSUS, a primeira dose da vacina Tríplice Viral (sarampo, caxumba e rubéola) cobria 95,41% da população alvo naquele ano. Em 2017, a cobertura caiu para 90,85%, subiu para 91,73% no ano seguinte e, até agora, em 2019, apenas 80,16% receberam a imunização. No Distrito Federal, a situação é ainda mais grave: saiu de 131,75% de cobertura em 2016 – quando a vacinação tinha atingido até mais gente do que a meta estabelecida, para 77,20% em 2019.
Mônica explica que o ideal para garantir a proteção de toda a população é que pelo menos 95% do público-alvo esteja vacinado. “Chamamos de imunidade de rebanho. Se a maioria está vacinada, o vírus não consegue avançar. Ou seja, tomar a vacina não é só uma questão pessoal, mas uma responsabilidade social”, afirma.
No caso da segunda dose da Tríplice Viral, a taxa é tradicionalmente menor. Em 2016, o Brasil tinha apenas 76,71% de cobertura vacinal da segunda dose, manteve a porcentagem nos anos seguintes e, em 2019, conta com 67,85% até o dia 4 de setembro.
A diretora da Sbim ensina que a primeira dose oferece um bom grau de proteção, mas o paciente não está completamente imune e pode ficar doente. “É o que chamamos de falha secundária. A pessoa toma a dose, mas os anticorpos vão diminuindo ao longo dos anos. A segunda dose diminui o risco de contaminação e garante proteção a longo prazo”, explica.
Por isso, quem ainda não tomou o reforço ou não sabe se foi imunizado na infância deve procurar um posto de saúde para se vacinar. Não existe “overdose”: se a pessoa possui os anticorpos contra as doença, o organismo inativará o vírus.
“Tivemos vários esquemas de vacinação ao longo dos anos, mas agora estamos fazendo o reforço em pessoas com até 49 anos. Quem tem mais de 50, principalmente as pessoas com mais de 60, certamente teve sarampo na infância, quando não existia a vacina, e está protegido pela vida inteira”, ensina o infectologista Alberto Chebabo, do laboratório Exame.
Segundo o médico, pessoas que tomaram apenas a primeira dose, mas tiveram contato com doentes, receberam uma espécie de reforço natural. No entanto, como o Brasil ficou mais de 20 anos com baixa circulação do vírus do sarampo (a Opas tinha considerado a doença erradicada por aqui), apenas os mais velhos possuem esse reforço “natural”.
“Falsa sensação de segurança”
Sem conhecer a poliomielite e temer seus efeitos, a população está descuidando da imunização e a cobertura contra a doença também vem caindo vertiginosamente. Em 2013, 100,71% da população estava imunizada contra a doença viral que causa paralisia muscular em crianças. Em 2016, a porcentagem caiu para 84,43%, chegando a 72,75% no início de setembro deste ano.
Uma das teorias mais aceitas pelos médicos é que a estratégia de imunização virou vítima de sua própria eficácia. As gerações que cresceram vacinadas, sem saber o que é sarampo, difteria, rubéola ou poliomielite, não acham importante vacinar os filhos para doenças que supostamente “não existem”.
A doença erradicada, na verdade, só permanece assim enquanto o bloqueio é efetivo: se um visitante contaminado chega a um pais onde as pessoas não estão protegidas há risco de surto ou, até mesmo, de epidemia.
A queda na cobertura também é verificada no caso da tríplice bacteriana, vacina que previne difteria, tétano e pertussis acelular. Em 2013, 90,96% do público-alvo estava protegido. Nos anos seguintes, a porcentagem baixou para 86,36% (2014), 85,48% (2015), 64,28% (2016), 74,29% (2017) e 67,37% (2018) até atingir a preocupante cifra de 54,67% em setembro.
“É um erro achar que, se você não enxerga a doença, ela não vai lhe atingir. Antigamente, as mães viam a criança com febre, dificuldade de andar e morriam de medo de o filho ter pólio. As campanhas davam 100% de cobertura, mas, a partir do momento que a doença desapareceu dos círculos próximos, a percepção de risco tornou-se diferente”, conta Mônica.
Outro problema são as fake news. Elas disseminam mentiras (como a ligação de algumas vacinas com o autismo) e convencem os pais mais hesitantes a não vacinarem os filhos. “As pessoas estão mais assustadas com o que pode acontecer em decorrência da imunização, que são episódios raros e, geralmente, leves, do que com as doenças em si, que são muito mais perigosas”, afirma a médica.
Apesar de a prevenção ser a melhor saída, a sociedade tende a esperar o perigo chegar para reagir. “É do comportamento humano. Quando acontece um surto, como o de sarampo, a percepção de risco muda. Com quatro óbitos, como já tivemos, as pessoas começam a ir atrás da vacina. Precisamos de educação e campanhas continuadas para alertar a população sobre a importância da imunização”, diz a diretora da Sbim.
Segundo a infectologista e gerente médica do Serviço de Vacinação do Sabin Medicina Diagnóstica, Ana Rosa dos Santos, é importante lembrar que vacina não é coisa de criança. Adultos, adolescentes e idosos também devem manter a carteira atualizada.
“Temos um dos melhores programas de imunização do mundo, mas ainda há dificuldade em manter a população vacinada. O profissional de saúde também precisa estar imunizado”, reforça a médica. “A vacina é a melhor maneira de lidar com doenças infecciosas, que podem ser evitadas”, completa.