Dengue: por que vacinação entre adolescentes ainda não deslanchou?
Até quinta-feira (14/3), apenas 30,8% das doses da vacina contra a dengue haviam sido aplicadas. Especialistas sugerem o que pode ser feito
atualizado
Compartilhar notícia
Em meio a uma das mais importantes epidemias de dengue do país, a vacinação de crianças e adolescentes ainda caminha em ritmo lento. Apesar de 87% da população da cidade de São Paulo querer receber o imunizante, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada nessa quinta-feira (14/3), apenas 30,8% das 1.235.236 doses distribuídas aos municípios brasileiros já tinham sido aplicadas até então.
Especialistas ouvidos pelo Metrópoles consideram que as limitações da campanha – como a restrição de idade a um grupo muito pequeno da população e a distribuição de doses a apenas alguns municípios – combinadas com falhas na comunicação e o histórico de dificuldade de vacinação entre os adolescentes estão entre os principais desafios para conseguir a adesão dos mais jovens.
“O número de problemas que a gente tem no meio do caminho para tentar fazer uma vacinação maciça é muito grande”, afirma o médico sanitarista Gonzalo Vecina, fundador da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e da Eaesp/FGV.
Por que vacinar os adolescentes contra a dengue?
A dengue acomete todas as faixas etárias, mas é considerada mais grave em idosos acima de 70 anos e nos adolescentes, grupos populacionais mais hospitalizados pela doença nos últimos anos.
Além da priorização dos jovens entre 6 e 16 anos ser uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), a Qdenga, o imunizante da Takeda disponível no SUS, foi testada apenas em pessoas com idades entre 4 e 60 anos, e não tem eficácia comprovada para indivíduos além desses grupos.
Como o Brasil tem poucos imunizantes — o país conta com apenas 6,5 milhões de doses da vacina contra a dengue para 2024 –, a vacinação restrita a crianças de 10 e 11 anos foi iniciada em 9 de fevereiro no Distrito Federal e em algumas capitais.
O intervalo de idade extremamente limitado foi justificado pelo governo pelo número de doses oferecidas pelo laboratório fabricante, suficiente para vacinar apenas 3,2 milhões de pessoas com o esquema completo.
Mas, apesar da situação atual da epidemia de dengue, a baixa procura nos postos de vacinação logo na largada fez com que estados e municípios pedissem a expansão da faixa etária, ampliada em 6 de março para os adolescentes de até 14 anos.
Limitação de idade e de municípios
A distribuição das poucas doses da vacina levou em consideração o número de adolescentes presentes nos municípios mais afetados pela epidemia de dengue, seguindo a recomendação dos especialistas da Câmara Técnica de Assessoramento em Imunizações (CTAI) e orientações da OMS.
De acordo com o Ministério da Saúde, “a escolha dessa faixa etária para receber o imunizante permite que mais municípios recebam as doses neste primeiro momento, diante do quantitativo limitado de vacinas disponibilizadas pelo laboratório fabricante”.
Apenas 521 dos 5.568 municípios brasileiros foram selecionados para receber as duas primeiras remessas de imunizantes. O critério para a escolha foi a alta transmissão da dengue nos últimos dez anos e ter população residente igual ou maior a 100 mil habitantes.
Para o infectologista Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e consultor da OMS, o grande problema é que o imunizante não está disponível para toda população de 10 a 14, mas apenas à de alguns municípios. “Os pais ainda ficam em dúvida. Não é uma comunicação fácil e talvez muitos nem estejam cientes da disponibilidade da vacina”, avalia.
O médico sanitarista Vecina considera que a faixa etária extremamente restrita é frustrante para os pais, que muitas vezes precisam deixar os filhos menores de 10 anos ou maiores de 14 em casa enquanto apenas um recebe a injeção.
“É bem frustrante não poder levar todos os filhos para se vacinar e não ter doses para a família, mas apenas para uma pequena parte dos jovens e crianças”, considera.
Dificuldade histórica de vacinação entre adolescentes
A vacinação de adolescentes é um desafio antigo para a saúde pública global. Questões culturais, influência do ambiente externo e a crença de que os imunizantes são importantes apenas para crianças e idosos criam uma espécie de resistência dos jovens à imunização.
Eles também não são crianças: os pais não conseguem levar os adolescentes de qualquer forma a um centro de saúde. Os jovens fazem parte do processo de decisão sobre a imunização e devem ser convencidos a tomar a vacina.
“A vacinação de adolescentes sempre foi algo árduo, espinhoso e difícil de fazer. Historicamente, ela só tem sucesso quando se consegue fazer um programa de vacinação escolar para expandir a imunização”, afirma o infectologista Sáfadi.
De acordo com o pediatra e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, em geral os países com campanhas de vacinação de sucesso são aqueles onde os jovens são imunizados no ambiente escolar.
“O mais importante é levar a vacina até onde o adolescente está. Esperar 100 jovens em unidades de saúde, coincidindo a agenda dos pais e no horário que ele pode, é muito mais difícil do que ir em uma escola e aplicar 100 vacinas em duas horas”, exemplifica Kfouri.
Todas essas limitações exigem uma comunicação alinhada por parte das autoridades, com ações locais, o que não tem sido efetivo. “Falta campanha, existe má comunicação, está mal explicado. Não tem vacina suficiente para toda a população e fica essa coisa no meio do caminho”, avalia Vecina.
Ele afirma que o sucesso de vacinação da campanha é muito difícil porque ela é muito parcial. “Infelizmente, vejo que enquanto não tivermos mais doses, não vamos ter sucesso”, afirma.
Siga a editoria de Saúde no Instagram e fique por dentro de tudo sobre o assunto!