Deltacron: entenda a história da variante da Covid que nunca existiu
Cientistas acreditam que evidências da nova variante que teria sido identificada no Chipre não passaram de um erro de laboratório
atualizado
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Há duas semanas, o mundo foi surpreendido com o surgimento de uma nova variante do coronavírus. A Deltacron, como ficou conhecida, seria resultado de uma mutação das variantes Delta e Ômicron. Entretanto, cientistas logo começaram a desconfiar de que o achado não passava de um erro de laboratório.
A descoberta da Deltacron foi anunciada pelo professor de ciências biológicas da Universidade de Chipre, Leondios Kostrikis, em uma rede de televisão local, em 7 de janeiro. De acordo com o chefe do Laboratório de Biotecnologia e Virologia Molecular da universidade, a cepa já tinha infectado ao menos 25 pessoas no país.
No mesmo dia, os 25 sequenciamentos genéticos do vírus foram enviados para o principal banco de dados do coronavírus do mundo, o Gisaid, onde instituições internacionais registram os genomas encontrados. Outras 27 amostras foram encaminhadas nos dias seguintes e rapidamente a notícia se espalhou.
Descoberta posta em dúvida
No dia seguinte ao anúncio, cientistas que trabalham com sequenciamento genético e estão envolvidos em pesquisas sobre a Covid-19 alertaram sobre a possibilidade de ter ocorrido um erro de laboratório com as 52 amostras.
As características encontradas não indicavam uma nova variante como resultado de recombinação genética, processo que ocorre quando uma pessoa é infectada por dois micro-organismos diferentes que entram em uma mesma célula. Nessa situação, o material genético deles pode ser trocado aleatoriamente.
“Este é provavelmente um artefato de sequenciamento com contaminação de laboratório, tendo fragmentos de Ômicron em uma amostra Delta”, escreveu a médica Krutika Kuppalli, que integra o grupo técnico da Organização Mundial da Saúde (OMS), no Twitter.
O virologista do Imperial College de Londres, Tom Peacock, também sugeriu que a sequência genética da amostra parecia estar infectada.
À revista Nature, o virologista Jeremy Kamil, professor da Louisiana State University Health Shreveport, dos Estados Unidos, explicou que o sequenciamento de genomas depende de primers, pequenos pedaços de DNA fabricado.
A variante Delta apresenta uma mutação no gene da spike que reduz a capacidade de alguns primers de se ligarem a ela, dificultando o sequenciamento dessa região do genoma. A Ômicron, por outro lado, não compartilha essa mutação, portanto, se alguma partícula dela for misturada à amostra por contaminação, o gene sequenciado vai se parecer mais com nova cepa.
Novas evidências
Com a repercussão negativa no meio científico, Kostrikis foi a público novamente para explicar que sua hipótese havia sido mal interpretada pela imprensa e que ele e sua equipe nunca chegaram a dizer que as sequências eram a junção das duas variantes. Mas logo as informações sobre a suposta cepa foram despublicadas do banco de dados.
Na última semana, o cientista contou à revista Nature que está “no processo de investigar todas as opiniões cruciais expressas por cientistas proeminentes de todo o mundo sobre meu recente anúncio”.
Rapidez da ciência
Mais de 7 milhões de sequenciamentos genéticos do novo coronavírus foram registrados no Gisaid desde o início da pandemia da Covid-19. A rapidez com que o possível erro foi identificado por outros cientistas chamou a atenção do mundo.
Por outro lado, pesquisadores temem que a repercussão negativa que o caso tomou prejudique o compartilhamento de informações por cientistas, por medo de sofrerem retaliação.