Covid-19: três desgastes recentes do ministro Nelson Teich
O prestígio do titular do Ministério da Saúde tem sido colocado à prova por desencontros relacionados às posições públicas do presidente
atualizado
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Às vésperas de completar um mês como ministro da Saúde, o oncologista Nelson Teich já passou por, pelo menos, três saias-justas dentro do governo de Jair Bolsonaro. Se na posse, que aconteceu em 17/03, ele se disse “completamente alinhado” ao presidente, no exercício do cargo está havendo um perceptível descompasso.
A primeira situação aconteceu durante a coletiva de imprensa de segunda-feira (11/05), quando o ministro soube, por meio da pergunta de um repórter, que o presidente Jair Bolsonaro havia mandado incluir salões de beleza, academias e barbearias como serviços essenciais.
Surpreso, Teich precisou confirmar a informação com a assessoria para depois reconhecer que não fora consultado e emendar que esse tipo de decisão não era de competência do Ministério da Saúde. Segundo ele, à pasta cabe, apenas, sugerir um protocolo de segurança sanitária para que os serviços sejam retomados.
Bolsonaro, por sua vez, minimizou o fato de não ter perguntado a opinião do titular da Saúde, dizendo que a competência é da Presidência e que não há como pedir a opinião dos ministros sobre tudo. Mais tarde, o presidente falou que o erro havia sido do ministro da Secretaria-Geral, Jorge Oliveira, que não avisara Teich.
Cloroquina
Uma nova saia-justa aconteceu por causa da cloroquina. O medicamento, alardeado por Bolsonaro como a cura para o novo coronavírus, já havia sido um dos motivos do embate público entre o presidente e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta.
Teich mantém a posição do antecessor de não recomendar o remédio para uso geral enquanto não existirem provas científicas sobre sua eficácia e segurança. No Twitter, na terça-feira (12/05) ele chegou a afirmar que o paciente deve assinar um termo de consentimento antes de fazer uso da medicação.
No dia seguinte à manifestação do ministro, em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente voltou a defender o uso da cloroquina e chegou a dizer, sem citar nomes, que os ministros devem estar “afinados” com ele.
“No meu entendimento e de médicos que ouvi, deve ser usada desde o início para aqueles que integram grupo de risco. Se fosse minha mãe, de 93 anos, ela usaria”, afirmou Bolsonaro.
A militância bolsonarista também voltou a pressionar o governo a recomendar a cloroquina, mesmo sem respaldo científico, e grupos já sugerem a retirada do ministro da Saúde do cargo.
Diretrizes
Uma das principais missões de Teich ao assumir o Ministério da Saúde era criar um plano para retirar o país do distanciamento social, como queria o presidente.
Na segunda-feira (22/05), o ministro apresentou uma versão inicial das diretrizes, uma espécie de questionário que leva em conta a quantidade de casos de coronavírus, a capacidade de atendimento da rede de saúde e os recursos humanos disponíveis. Dependendo dos indicadores obtidos, as cidades poderiam fazer gradações em suas medidas de isolamento.
Teich já tinha dito que precisava conversar com o Conass e Conasems (conselhos nacionais de secretários de saúde estaduais e municipais) para que a matriz fosse um projeto nacional, e não só do ministério. Houve uma reunião no sábado (09/05), da qual ele saiu confiante sobre um consenso. Porém, na segunda, alguns secretários rechaçaram o projeto, afirmando, principalmente, que não era possível discutir flexibilização de isolamento enquanto “corpos estivessem sendo empilhados”.
O ministro disse que voltaria à mesa de discussões com os secretários, mas prometeu para esta quarta (13/05) o detalhamento das medidas em coletiva de imprensa.
Oito minutos antes do horário marcado para a divulgação, a assessoria do Ministério da Saúde cancelou a entrevista coletiva. Em nota, a pasta explicou que o consenso sobre as diretrizes não havia sido alcançado. “Devido à complexidade de organização de orientações para um país continental, observando as diversas realidades locais e cenários diferenciados em relação ao Covid-19, a discussão entre Ministério da Saúde, Conass e Conasems sobre diretrizes será aprofundada”, escreveu a assessoria.
Também em nota, os dois conselhos voltaram a afirmar que o momento é inoportuno para esse tipo de decisão. “Este é o momento de salvar vidas. Precisamos de um único consenso agora: a saúde e a vida das pessoas não podem esperar. União, estados e municípios devem somar esforços no enfrentamento da pandemia, para o bem de todos os brasileiros”, disse Alberto Beltrame, presidente do Conass.
Lockdown
Além da batalha com os conselhos, Teich já avisou algumas vezes que o lockdown pode ser recomendado pelo ministério, e que se o isolamento for o melhor, ele será indicado. A posição é contraria à do presidente Bolsonaro, que voltou a falar a favor do chamado isolamento “vertical”, no qual apenas idosos e demais pessoas do grupo de risco ficam isoladas.