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Corredora descobre doença rara depois de crise de vômitos

A advogada Dani Americano sentiu os primeiros sintomas de uma doença autoimune que a deixou em cadeira de rodas em 2011

atualizado

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1 de 1 dani americano2 - Foto: Instagram/Reprodução

Na medicina, muitas vezes os sintomas sofridos pelo paciente são genéricos, ou estão relacionados a partes do corpo muito diferentes de onde ocorrem. Estima-se que existam cerca de oito mil doenças raras, e qualquer sinal, por mais simples que seja, pode ser nada, mas também pode evoluir para condições graves.

Em 2011, a advogada Dani Americano, então com 34 anos, estava começando a praticar corrida. Em um dia de treino, correu 50 minutos na academia — um recorde pessoal — e foi comemorar na casa de uma amiga. “Comi porcaria, nada suave mesmo. Quando cheguei em casa, vomitei. Hoje, lembrando, identifico que era diferente do normal”, conta.

Ela achou que era apenas a alimentação diferente, mas os vômitos persistiram por dois meses. Dani perdeu oito quilos, foi a vários médicos, e nenhum descobriu o problema. “Fiz muitos exames, mas não descobrimos o que era. Da mesma forma que apareceram, os vômitos desapareceram do nada”, lembra a advogada.

A moradora de Niterói continuou fazendo exames, até que um dia, enquanto jogava tênis, começou a sentir uma dormência esquisita na planta dos pés. O professor e a cardiologista acharam que era o sapato apertado. O endocrinologista disse que o corpo estava reorganizando as vitaminas perdidas nos meses que ela havia passado vomitando. “Não sabia o que era, mas tinha certeza que não era meu tênis”, afirma.

Nas semanas seguintes, a dormência foi subindo pelo corpo. Primeiro até o joelho. Preocupada, mas acreditando ser algum problema muscular, ela conversou com o marido de uma amiga que é cirurgião vascular — ele afirmou que não era problema de circulação, e parecia ser algo neurológico. “Ali, ele começou a salvar a minha vida. Era final do ano, procurei vários neurologistas e não conseguia vaga. A dormência ia subindo”, lembra.

Quando conseguiu se consultar, Dani questionou o neurologista se os sintomas eram compatíveis aos da esclerose múltipla, mas ele negou. “Fiz os exames de nervos periféricos, ressonância, e estava tudo ok. Ele me disse que era normal, mas as dormências continuaram subindo e já estavam na cintura, quando comecei a andar puxando a perna”, lembra a advogada.

O sintoma seguinte foi não conseguir urinar. Ela passou um dia inteiro sem conseguir fazer xixi apesar da bexiga cheia. A advogada conta que ficou debaixo do chuveiro, mas mesmo assim, não saia nada. Voltou ao hospital.

“Encontrei ali um primeiro anjo. O médico perguntou porque eu estava arrastando as pernas, e contei minha história toda. Ele disse que a bexiga tinha a ver com a perna, e decidiu me internar no centro de tratamento de neurologia. Fiquei 33 dias no hospital. Nos primeiros três dias, perdi os movimentos da cintura para baixo, e começamos a fazer uma infusão de corticoide na veia para cessar a inflamação. Aos poucos, meus movimentos foram voltando”, conta, agradecida ao profissional.

Porém, no final da internação, Dani começou a sentir dores na cervical, e não conseguia mais comer sozinha ou levantar o garfo até a boca. Ela conta que durante o tempo que ficou internada, a cada virada de plantão, um neurologista vinha com um novo diagnóstico. Uma médica afirmou que era deficiência de vitamina B12, e deu alta para a advogada no meio de uma crise de dor.

“Fui pra casa, e conseguia andar uns 10 passos. Piorei, sentia dor toda hora. O fisioterapeuta foi meu segundo anjo. Ele viu que piorei em casa, falou com o chefe da neurologia, e voltei para o CTI. Não conseguia me mexer do peito para baixo, sem força, movimento ou sensibilidade. Fiz a ressonância e viram que a inflamação estava no tronco cerebral, se avançasse um pouco mais, estaria vegetando, ou até morta”, relata.

O terceiro anjo, o neurologista André Matta foi avaliar o quadro, e disse que não parecia esclerose múltipla, que havia deficiência de B12, mas não era a razão da crise, que as características eram de neuromielite optica (NMO). Nessa altura, Dani não andava mais, e o transporte para exames era feito de ambulância.

“Fui fazer uma ressonância, e quando cheguei em casa, o médico mandou voltar para o hospital imediatamente. A inflamação estava subindo de novo. Fiquei mais 14 dias internada, comecei outra medicação”, explica. Ela veio para Brasília, onde passou mais dois meses internada no hospital Sarah. Repetiu exames, inclusive o que mede a antiaquaporina 4, o anticorpo que é característico dos pacientes com NMO. Deu negativo.

Dani estava no espectro da NMO, mas não tinha os sintomas clássicos. Em 2013, ela viajou para os Estados Unidos, onde se consultou com um especialista em NMO na Mayo Clinic, um dos hospitais de pesquisa mais importantes do mundo. Lá, depois de exames específicos e mais sensíveis, finalmente conseguiu fechar o diagnóstico.

A doença

O neurologista Felipe Von Glenn, da Universidade de Brasília, explica que a neuromielite óptica é uma doença inflamatória do cérebro causada por um anticorpo (antiaquaporina 4) que se liga aos astrócitos (células que abastecem os neurônios) e causa inflamações e lesões no órgão. É uma condição autoimune, sem causa conhecida, e que acomete, geralmente, mulheres entre os 30 e 50 anos.

“O principal sintoma é a perda de visão súbita, que pode ser de um ou dos dois olhos, seguido de dificuldade para urinar, perda de força nas pernas associada à dor, pode causar náuseas e vômitos que não param mesmo com remédio”, detalha o médico.

Ele conta que, antigamente, se achava que a NMO era um tipo de esclerose múltipla, um conceito que só caiu em 2005, quando se descobriu a antiaquaporina 4. Segundo Von Glenn, a manifestação clínica da NMO costuma ser mais grave e intensa, e os sintomas progridem mais rápido.

O tratamento consiste em lidar com a fase aguda da doença, e se baseia no corticoide venoso (como Dani fez no hospital). Existem remédios chegando no Brasil para evitar que o paciente tenha novos surtos a longo prazo. “Por enquanto, não tem cura. É uma doença que pode matar se não tratada, e o indivíduo corre risco de lesões no cérebro, principalmente na região que controla a respiração, o que pode levar à morte”, afirma o especialista.

A vida depois do diagnóstico

Depois de obter o diagnóstico de doença inflamatória, Dani decidiu fazer o possível para evitar que a condição progredisse. Começou pela alimentação. Desde 2012, não come nenhum derivado do leite, ou comidas que tenham glúten. Em 2015, decidiu passar um ano sem açúcar nem adoçante — por conta do corticoide, que incha muito, a advogada conta que engordou cinco números de roupa.

Após um ano de dieta restritiva, o paladar mudou e ela deixou de sentir necessidade de doce. Dani desinchou tudo o que ganhou pelos remédios. “Emagrecendo, ganhei mais disposição, fiquei menos cansada, mas ainda precisava de serviço de home care por conta do meu estado de saúde. Em 2014, uma amiga me levou para um passeio de canoa havaiana, foi lindo, compartilhei nas redes sociais e o plano de saúde usou as fotos para dizer que eu não precisava do atendimento em casa”, lembra.

Em 2016, Dani perdeu o home care e criou o perfil @meninacoragem no Instagram para compartilhar sua rotina. A ideia era incentivar as pessoas a continuar vivendo independente do desafio.

“No fim das contas, ter perdido o atendimento em casa foi um dos maiores presentes que ganhei. Melhorei muito. Com a mudança na alimentação e no estilo de vida, ano passado consegui ficar 60 segundos em pé, sem apoios”, afirma.

Em tratamento, ela segue tomando corticoide e remédio para dor, mas acredita que parte importante da recuperação foi a alimentação e a fé. Dani conta que busca pensar positivo, ser grata ao que já alcançou. Se vai voltar a andar um dia, ela não sabe, mas trabalha para isso.

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