Coronavírus: como é viver em uma Itália isolada
Desde o decreto que impôs o isolamento em todo o território do país europeu, brasileiros que vivem no país enfrentam quarentena
atualizado
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Milão (Itália) – O coronavírus havia tido seus primeiros casos confirmados na Itália há 17 dias quando o país resolveu se isolar totalmente. A medida foi marcada pelo decreto assinado pelo primeiro ministro, Giuseppe Conte, na segunda-feira (09/03), e reforçada quando a Covid-19 passou a ser vista como pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na quarta-feira (11/03).
Uma sociedade que ainda tinha dificuldades em encarar o vírus com seriedade agora repete a campanha propagada pelo governo: “Io resto a casa” (Eu fico em casa).
Quem mora aqui só pode entrar em outra cidade com motivo justificado de saúde, trabalho e família. A polícia tenta controlar a população para que não saia de casa sem motivo. Escolas permanecem fechadas até 3 de abril. No último decreto, publicado na quarta-feira no Diário Oficial, o primeiro ministro tornou as medidas ainda mais rigorosas.
Até 25 de março, apenas o comércio considerado essencial permanece aberto: supermercados, farmácias, bancas de jornal. Foram três ações duras em quatro dias. A decisão ocorreu quando o número de mortos no país chegou a 827. Na quinta-feira (12/03), já eram 1.016 mortos, 15.113 casos confirmados e 1.258 recuperados.
Enquanto o sistema de saúde enfrenta o colapso, quem mora na Itália se submete ao isolamento. Casamentos e funerais estão suspensos, por exemplo. Na televisão, as recomendações do Ministério da Saúde são recorrentes. Os programas de auditório são realizados sem plateia, jornalistas mantêm a distância de 1 metro em relação aos entrevistados, eventos esportivos foram suspensos. Ainda assim, a impressão geral é de que a reação da sociedade em relação ao vírus foi demorada.
Até o fim de semana em que foi publicado o primeiro decreto de isolamento, era comum ver jovens aglomerados nas ruas. A população se dividia entre o pânico total e a turma que acreditava que o problema não era tão grave assim. Bares ficaram lotados, italianos faziam festas em casa e, com aulas suspensas na Lombardia na última semana, adolescentes agiam como se estivessem de férias. O decreto pode ser interpretado como uma forma de acordar a população para a dimensão do problema.
A jornalista Carolina Cleto, de 28 anos, que há três mora em Roma, relata que, semanas antes de o primeiro paciente da Itália ter o diagnóstico confirmado, precisou usar o sistema de saúde em função de uma gripe forte: “No início de fevereiro, só se falava em coronavírus na China. Quando fui ao médico, ele disse que era para eu não me preocupar e perguntou se eu tive contato com alguém que veio do país. Eu disse que não e voltei para casa”, relata a paulistana. “Muito pouco tempo antes de estourar esse caso, ainda víamos como algo muito distante.”
Crianças em casa
Assim que o governo mandou que a população ficasse em casa, o filho de Carolina, de 3 anos, ficou doente. Ela seguiu o protocolo do Ministério da Saúde: ligou para o número de emergência. “Ele tem febre acima de 39ºC? Tosse que não consegue respirar? Reclama de dor de cabeça?” Ao dizer não para as três perguntas, foi tranquilizada. Não era Covid-19, mas teria de ligar para o pediatra.
“O pediatra se desculpou, dizendo que, por uma questão de segurança, não poderia receber meu filho para examiná-lo. Eu teria de esperar os próximos dias, fazer lavagem nasal e inalação. Se piorar, ligo para ele novamente”, conta. Segundo a jornalista, a queixa é comum no grupo de mães que moram em Roma. Crianças resfriadas e sem sintomas de coronavírus são consultadas a distância pelos pediatras.
Com quase um mês de escolas fechadas, os grupos de mães também se preocupam em entreter os filhos em isolamento: “Trocamos ideias de programas para fazer dentro de casa”.
Empregos em jogo
Com o país isolado e a grande parte das atividades econômicas suspensas, o maior temor, além do óbvio, é com as consequências do isolamento no futuro. Maria Gregório, de 52 anos, mora na cidade de Vigevano, em Pávia, na região da Lombardia. Ela vive na Itália há 12 anos e trabalha na cozinha de uma casa di moda, como são conhecidos os showrooms que reúnem marcas e estilistas da região.
“A clientela é estrangeira, tem muito chinês. Depois do vírus, teve muito cancelamento. Como trabalhamos por coleção, acredito que, agora, o retorno ficou só para o verão, em junho ou julho”, conta Maria, que teme perder dois meses de salário em função da crise do coronavírus.
Ainda assim, ela defende medidas mais duras de isolamento: “Eu sei que vamos ficar sem receber, mas acho justa a atitude da empresa em fechar. Não adianta nada fechar as escolas das crianças e os pais continuarem a trabalhar”, diz Maria. O marido dela trabalha em uma empresa de consultoria e também teme pelos próximos meses. O governo italiano separou 25 bilhões de euros para tentar compensar a população que tenha sido financeiramente afetada pela quarentena, mas ela desconfia: “Não sei se vai ter dinheiro para toda essa gente”.
Férias frustradas
Brasileiros que tinham passagem confirmada para a Itália foram surpreendidos com o isolamento do país. Rodrigo Souza, de 38 anos, já tinha iniciado a lua de mel em Madri, na Espanha, quando foi publicado o segundo decreto, que transformou a quarentena da região da Lombardia em um isolamento de toda a Itália. Ele já tinha passagens compradas para Roma, Milão e Veneza e teve de lidar com cancelamentos no caminho.
O casal desembarcou na capital italiana na última terça-feira (10/03), um dia antes de o coronavírus ser oficialmente classificado como pandemia pela OMS.
“Quando viemos para a Europa, no sábado (07/03), havia o coronavírus, mas ainda não tinha essa dimensão”, diz o gestor de projetos, que mora em Curitiba. No fim das contas, Rodrigo decidiu tentar aproveitar a viagem: cancelou os voos para Milão e Veneza, mas aproveitou uma Roma diferente, vazia. De lá, ele pretende seguir para outras partes da Europa.
Com os pontos turísticos fechados, a solução foi tirar proveito das melhores fotos em frente aos monumentos da cidade. “Meus amigos brincaram que eu fechei a cidade só para mim, na lua de mel”, brinca.
O curitibano afirma que o casal seguiu as medidas de segurança para evitar o contágio, com álcool em gel e máscaras na mala. No entanto, quando voltar para casa, ainda terá de passar 15 dias em quarentena antes de retornar ao trabalho. O cancelamento nem passou pela cabeça. “A gente esperou muito tempo para fazer essa viagem. Nunca tínhamos vindo para a Europa”, afirma.
A analista de marketing Thaís Pinheiro, de 24 anos, não teve a mesma coragem. Com uma viagem marcada para o início de abril para Milão, Veneza, Turim, Florença, Roma e toda a Costa Amalfitana, ela preferiu encarar a burocracia do cancelamento em nome da segurança.
“Tirei a Itália do percurso e estou estudando outros destinos”, conta. Ela sairia de Campinas para o país na companhia do namorado e de dois amigos. “Estamos procurando um destino que não seja tão afetado pelo vírus. Quando compramos, não tínhamos a magnitude total do problema.”