“Sedentarismo causa doenças e morte prematura”, diz consultora da OMS
A economista Andreia Costa Santos é autora de um estudo publicado na revista The Lancet sobre os impactos do sedentarismo na economia
atualizado
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Pesquisas recentes associam o sedentarismo a riscos aumentados para doenças que podem ser evitadas, como obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardíacas. A falta de atividades físicas tem sido comparada inclusive ao hábito de fumar devido aos prejuízos que traz para a saúde.
A novidade é que os impactos não são apenas individuais, mas coletivos – uma vez que geram custos financeiros para o sistema de saúde dos países.
Um estudo feito pela economista brasileira Andreia Costa Santos, consultora da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima 500 milhões de novos casos de doenças não transmissíveis graves até 2030 caso as atuais taxas de sedentarismo não mudem.
O trabalho foi publicado na revista científica The Lancet, uma das mais prestigiadas do mundo, em dezembro de 2022.
Andreia veio ao Brasil esta semana para participar do Arnold Sports Festival 2024, evento que aconteceu entre os dias 5 e 7 de abril em São Paulo. Em entrevista ao Metrópoles, ela destacou que mudanças simples no estilo de vida já são suficientes para evitar doenças graves.
Leia a íntegra da entrevista com a economista Andreia Costa Santos, consultora da OMS:
Metrópoles: Olá! Hoje o Metrópoles entrevista a economista Andreia Costa Santos. Ela é consultora da Organização Mundial da Saúde e tem um estudo importante publicado na revista The Lancet sobre o impacto do sedentarismo na economia dos países.
Estudos recentes sugerem que o sedentarismo pode ser tão prejudicial à saúde quanto o tabaco. Alguns também dizem que trabalhar sentado pode aumentar o risco de morte prematura. Como o sedentarismo pode se tornar um fator de risco para problemas físicos de saúde e mentais?
Andreia Costa Santos: Obrigada. Você colocou bem. A inatividade física é um dos principais fatores de risco para doenças consideradas não transmissíveis, juntamente com o tabaco, o uso excessivo de bebida e a dieta ruim, além do sedentarismo.
Existe uma série de estudos científicos bastante robustos mostrando que a inatividade física pode levar à morte prematura e a uma série de doenças. Isso inclui ficar muito tempo sentado, com pouco exercício físico (menos de 30 minutos por dia) ou menos de dez minutos por dia de qualquer tipo de atividade física que requeira o movimento do corpo.
Metrópoles: O que é considerado sedentarismo?
Andreia Costa Santos: Sedentarismo é quando uma pessoa fica sentada por muito tempo. O recomendado pela OMS é que a pessoa faça atividade física no mínimo 30 minutos por dia com um certo movimento para obter algum tipo de aceleração no coração. Então andar um pouco mais rápido já ajuda a reduzir os riscos de doenças.
Para as crianças, é recomendado mais tempo, no mínimo 50 minutos por dia. Entretanto, alguns estudos já mostram que mesmo pouco – dez minutos por dia – já ajuda a reduzir o risco de morte e o risco de algumas doenças. O mais importante é se movimentar e não ficar parado.
Metrópoles: Então dá para deixar de ser sedentário mesmo tendo uma rotina agitada, com todos os afazeres de trabalho, casa e família?
Andreia Costa Santos: Exatamente. Você pode ser ativo de muitas maneiras. Em casa, estamos sempre fazendo atividades domésticas; ao levar as crianças para a escola, quando caminhamos ao invés de usar o carro, estamos deixando o sedentarismo de lado. Quando for fazer supermercado ou quando for à farmácia, tente ir sempre andando.
Não é obrigatório ir para a academia de ginástica para ser ativo.
Metrópoles: A senhora é baiana, tem formação em economia e mestrado pela Universidade Federal da Bahia, mas já vive há algum tempo na Inglaterra, onde tem um doutorado pela Universidade de Londres. Como percebe as diferenças culturais em relação ao estilo de vida nos dois países?
Andreia Costa Santos: A impressão que tenho é de que no Brasil, conforme a renda cresce, mais se fica mais sedentário. O que acontece na Europa é que, com o passar do tempo, como a renda cresceu muito, muitas pessoas passaram a ser sedentárias. Agora há um movimento contrário. Está tendo muito investimento para que as pessoas usem bicicleta, façam caminhadas, reduzam o uso de carros. Mas aí você também tem a questão do transporte.
No Brasil, quando a renda cresce, a gente investe muito na compra de carros. E não é a questão de não ter o carro, a questão é de usar para tudo. Reduzir o uso do carro ajuda bastante na questão da atividade física e dos benefícios físicos, mas também mentais.
Já existe a associação entre a inatividade e a questão de saúde mental, como demência. Fazer atividades físicas ajuda a reduzir o risco de demência. E também para a ansiedade e depressão.
Metrópoles: A senhora é co-autora de um estudo importante, publicado na revista The Lancet, que mostra como o sedentarismo impacta na economia dos países. Pode explica mais sobre isso?
Andreia Costa Santos: O nosso estudo, publicado no início de 2023, mostra que há cerca de 500 milhões de novos casos de doenças não transmissíveis, e isso envolve cânceres, diabetes tipo 2, ataques cardíacos e, inclusive doenças mentais relacionados ao sedentarismo. Então ele mostra que se os países investirem em atividade física, pode-se reduzir os custos para o sistema de saúde.
Nós estimamos que custos em volta de 27 bilhões de dólares por ano poderiam ser evitados se a população fosse mais ativa. Acumulado em 11 anos, de 2020 a 2030, isso chega a cerca de 300 bilhões. É muito dinheiro que está sendo gasto pelo sistema de saúde porque a população está inativa.
Metrópoles: Na prática, como o estilo de vida sedentário impacta na vida das pessoas a curto, médio e longo prazo?
Andreia Costa Santos: Se você ficar inativo, começa a desenvolver uma série de doenças. A principal delas, no começo, seria a hipertensão e a diabetes tipo 2. E isso leva a outros tipos de doenças: as cardíacas, que você pode ter uma parada cardíaca; pode desenvolver demência, ao longo do tempo; câncer.
Em termos de afetar a vida mais imediatamente, ao ficar doente, você deixa de trabalhar e, ao deixar de trabalhar, deixa de ganhar. Isso impacta não só o indivíduo imediatamente, mas a sociedade como um todo.
Metrópoles: No seu estudo, a senhora chega a uma conclusão de como governos, médicos e mesmo a população podem trabalhar juntos para não termos esse prejuízo?
Andreia Costa Santos: Como indivíduo, a primeira coisa que você precisa fazer é tentar incluir a atividade física no seu dia a dia. Quando for comprar um pão ou fazer compras, caminhe. E, se possível, caminhe um pouco mais rápido, porque isso ajuda a acelerar o coração e isso tem benefícios de longo prazo.
Quanto o governo, há uma série de investimentos que podem ser feitos. Por exemplo, a OMS aconselha dois tipos de intervenções principais. Uma é aconselhamento médico. E quando eu falo médico, é também o enfermeiro, fisioterapeuta, etc.
Tem também a questão da comunicação em massa, que pode ser feita através de rádio e televisão para explicar à população quais são os benefícios da atividade física e como mudar o comportamento sedentário. Comportamento é uma coisa difícil de mudar, mas se isso for insistido e for implementado com frequência, as pessoas tendem a mudar o comportamento.
Além disso, toda a questão de infraestrutura é essencial. É importante que os lugares sejam seguros e confortáveis para que as pessoas façam caminhadas e as crianças possam usar essas áreas de recreação para que possam se movimentar. Tem uma série de intervenções que podem sim ser feitas para ajudar a população a mudar o comportamento.
Metrópoles: Como a OMS está atuando para diminuir o sedentarismo e reduzir as taxas de doenças?
Andreia Costa Santos: A OMS dá suporte técnico aos países para que eles possam implementar intervenções que reduzam a inatividade e outros comportamentos de risco, como fumar, beber em excesso e dietas ricas em gorduras insaturadas, etc. Uma das coisas que nós fazemos é dar aos países suporte técnico para fazer análises, para mostrar quais são os benefícios não só de saúde, mas econômicos também.
Um dos objetivos desse estudo, que foi publicado no ano passado, foi dar esse suporte econômico para os países para que eles possam fazer advocacy para aumentar investimentos em saúde e na promoção da saúde. Então, o que a OMS faz é dar esse suporte técnico para os países.
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