Como o Sirius, maior investimento do Brasil em ciência, pode ajudar no combate à Covid
Acelerador de partículas foi utilizado em pesquisa sobre o Sars-CoV-2 que indica caminhos para impedir a replicação do vírus
atualizado
Compartilhar notícia
O primeiro estudo feito no superacelerador brasileiro de partículas Sirius foi publicado nesta semana, na revista científica Journal of Molecular Biology. Em meio à pandemia de Covid-19, a primeira pesquisa realizada não poderia ter um tema diferente: cientistas da Universidade de São Paulo em São Carlos descobriram os mecanismos de funcionamento de uma proteína ligada à reprodução do coronavírus.
Inaugurado em 2018, o Sirius é o maior investimento em ciência já feito pelo Brasil, e uma das fontes de luz síncrotron mais avançadas do mundo – só há dois outros laboratórios do mesmo nível, um na Suécia e outro na França. O acelerador de partículas fica no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, que foi projetado e construído por brasileiros e financiado pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
No local, os cientistas são capazes de acelerar elétrons quase até a velocidade da luz em um túnel de 500 metros de comprimento. Com o auxílio de ímãs gigantes, o elétron é desviado para as estações de pesquisa (as chamadas linhas de luz).
Esse processo produz a luz síncroton, que funciona como um raio-X e pode ser usada para descrever a estrutura de vários materiais minuciosamente (até átomos e moléculas). A primeira pesquisa do Sirius publicada analisou cristais de coronavírus.
Além de visualizar um modelo em 3D do coronavírus, os pesquisadores entenderam melhor sobre a protease, uma molécula específica de proteína diretamente responsável pela multiplicação do vírus.
“O vírus Sars-CoV-2, ao se replicar, produz uma única poliproteína contendo todas as proteínas virais. A chamada protease principal, ou Mpro, permite a liberação dessas proteínas, que possuem funções importantes para a replicação do vírus. O estudo teve como objetivo compreender o mecanismo pelo qual a Mpro consegue se tornar ativa para realizar suas funções”, explicou, em entrevista ao Metrópoles, o pesquisador Andre Godoy, da USP de São Carlos.
Godoy afirma que, com os dados obtidos, foi possível observar em detalhes o processo que envolve a Mpro, identificando formas intermediárias que podem servir como alvo para um medicamento. A droga correta pode conseguir inibir a formação da proteína, bloqueando a replicação do coronavírus.
“Nosso principal objetivo agora tem sido obter moléculas capazes de bloquear a atividade das proteases do vírus, não só da protease principal, mas também da outra protease do vírus, a PLpro. Ambas as proteínas têm funções importantes na replicação do coronavírus. As informações obtidas no Sirius podem ser utilizadas para ‘desenhar’ uma molécula que bloqueie especificamente a replicação do vírus e ocasione mínimos efeitos colaterais nas células humanas”, ensina o pesquisador.
Ele foi um dos primeiros a usar a estrutura do laboratório para pesquisa, e conta que a experiência de dispor da estrutura para uma pesquisa que auxiliará no enfrentamento da pandemia foi extremamente gratificante. “Sem dúvidas é um grande marco para a ciência brasileira e abre caminho para muitas possibilidades”, afirma.
Ferramenta “brilhante”
O diretor científico do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), Harry Westfahl Jr, explica que o Sirius funciona como os “olhos” dos pesquisadores, permitindo que sejam conhecidos vários materiais em resolução atômica. Além da Manacá, usada no estudo do Sars-CoV-2, há outras linhas de luz que oferecem imagens em diferentes resoluções de acordo com aquilo que o pesquisador precisa enxergar – vai de proteínas minúsculas a células, amostras de solo ou materiais sob condições de temperatura e pressão extremas.
Além da saúde, áreas como agricultura, meio-ambiente, energia e novos materiais podem ser beneficiadas pela tecnologia.
O Brasil tem histórico com esse tipo de equipamento e operava, anteriormente, com um laboratório de segunda geração que oferecia uma tecnologia semelhante, mas ultrapassada. Os pesquisadores precisavam usar a criatividade com a resolução disponível, e o Sirius, hoje, oferece análises dezenas de vezes mais complexas do que era possível antes.
“Não conseguimos criar vacinas ou medicamentos com esse equipamento, mas adquirimos conhecimento e testamos modelos. É uma tecnologia para obter informações”, explica Westfahl.
O diretor científico considera que o Sirius é uma ferramenta “brilhante” para a ciência brasileira. “Vamos entrar em uma fase em que as ideias são o limite. Nunca tivemos um instrumento com esse alcance, e a comunidade brasileira vai ter capacidade de criar possibilidades”, afirma.
Para tornar o CNPEM ainda mais importante para a ciência do Brasil, no começo de maio, o ministro Marcos Pontes, do MCTI, prometeu construir no local um laboratório de biossegurança máxima, estrutura de pesquisa que ainda não existe na América Latina, e que será capaz de estudar vírus perigosos.