Combate ao câncer vira prioridade no Chile após lei inovadora
País é o 1º da América Latina a instituir política pública contra enfermidade. OMS prevê câncer como principal causa de mortes até 2030
atualizado
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Cartagena das Índias, Colômbia – Em outubro de 2020, o Chile criou um projeto inovador e inédito na América Latina: a Lei Nacional de Combate ao Câncer. Cansados do calvário ao qual os pacientes com a doença eram invariavelmente submetidos, os chilenos decidiram estabelecer prevenção, diagnóstico e tratamento de tumores como uma prioridade dentro da agenda de políticas públicas do país.
A lei ainda está em implantação, mas já é considerada um marco em relação à organização de um modelo de atendimento mais eficiente e menos desigual para pessoas com a doença.
“A lei deu centralidade ao tema no Chile. Ela representou uma mudança de cultura, no qual o combate ao câncer virou o centro da pauta de saúde pública”, comenta Carolina Góic, que era senadora durante o processo de construção da lei e, anos antes, havia enfrentado um câncer linfático.
A previsão da Organização Mundial de Saúde (OMS) é que o câncer se torne a principal causa de mortes no mundo até 2030. O aumento da incidência da doença está intimamente ligado ao envelhecimento da população, uma vez que o desenvolvimento de tumores decorre de um erro na divisão celular e, conforme o tempo passa, a probabilidade de falhas aumenta.
Experiência pessoal e responsabilidade do Estado
Carolina explica que a lei chilena transformou em responsabilidade do Estado um assunto que costumava ser tratado como uma tragédia pessoal. “Há muita desigualdade no diagnóstico e no tratamento de câncer e, como sociedade, decidimos enfrentar isso”, disse, em entrevista ao Metrópoles, durante o seminário Mulheres, Saúde e Igualdade. O encontro, organizado pela farmacêutica Roche, em Cartagena das Índias, na Colômbia, reuniu lideranças femininas da área de saúde pública.
Racionalidade e economia
A lei chilena de combate ao câncer começou a sair do papel no ano passado com a criação do Plano Nacional de Combate ao Câncer. Construído com a colaboração de pacientes, familiares, médicos, políticos e instituições acadêmicas, o documento estabelece quais são as prioridades para o enfrentamento da doença, conta com fonte de financiamento própria e será revisado a cada cinco anos.
Um dos pontos mais importantes do plano diz respeito ao rastreamento de tumores. Os chilenos pretendem aumentar a capacidade de diagnóstico na atenção primária para que os cânceres sejam detectados ainda em fase inicial, quando as possibilidades de cura são maiores.
A criação de uma rede de clínicas e hospitais oncológicos dimensionados de acordo com as características da incidência da doença no país é outro destaque. No Chile, como no Brasil, as diferenças regionais obrigam os pacientes que vivem afastados dos centros de excelência a se mudarem em busca de tratamento. A expectativa é que estabelecer uma rede de atendimento de acordo com critérios epidemiológicos diminua as dificuldades enfrentadas por essas pessoas.
Carolina aposta que, com o tempo, a organização do sistema de atendimento também trará economia de recursos públicos, pois é centrada na racionalidade. “Vamos reunir dados que nos permitam tomar decisões baseadas em evidências epidemiológicas, o que garantirá eficiência e economia”, afirma.
Como funciona no Brasil
O Brasil ainda não tem uma lei específica para definir uma rede de rastreamento e de cuidado para o paciente com câncer, ou como dividir o financiamento destinado à doença. Há leis pontuais, como a dos 30 dias, que estabelece o prazo de um mês para a realização de exames em pacientes que estejam com suspeita de câncer, e a lei dos 60 dias, que preconiza que as cirurgias para retirada dos tumores sejam feitas em até dois meses depois do diagnóstico.
O país possui um plano nacional de combate ao câncer, que foi definido em 2013 por uma portaria do Ministério da Saúde. As diretrizes do documento estão sendo revisadas na Câmara dos Deputados para que, no futuro, como aconteceu no Chile, virem uma lei. “O plano que temos hoje está defasado, o conhecimento sobre o câncer avança de maneira muito rápida. Hoje, nosso desafio é garantir um atendimento às pessoas de acordo com esses avanços”, afirma a fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, Luciana Holtz.
Especialista em direito à saúde, o advogado Tiago Farina Matos explica que a existência de uma lei assegura vantagens como a destinação garantida de recursos, mas, por outro lado, pode atrapalhar o processo decisório, congelando-o. “É importante preservar uma certa maleabilidade, pois o desenvolvimento no campo científico é bastante acelerado”, afirma.
- A repórter viajou a convite da farmacêutica Roche.