Com baixa testagem, Brasil sofre para monitorar pandemia de Covid-19
Poucos exames, estratégia confusa e demora nos resultados dificultam controle sobre a disseminação do coronavírus
atualizado
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Desde o início da pandemia de Covid-19, uma das principais armas contra o coronavírus é a testagem. Sem saber onde o patógeno está e quem são as pessoas contaminadas, é difícil rastrear contatos e garantir o isolamento de infectados. Porém, a quantidade de testes feitos no Brasil ainda é muito pequena.
A taxa de resultados positivos é um dos parâmetros usados para avaliar se o número de testes sendo realizados em um país está dentro do adequado. Segundo dados do último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde (24/4), os exames no Brasil têm 29,9% de positividade. A Organização Mundial da Saúde (OMS) sugere uma porcentagem máxima de 5% de resultados positivos, mantida por duas semanas, antes que medidas de flexibilização sejam implementadas.
“A alta positividade dos testes pode indicar um descontrole do processo epidêmico, quando o volume de testes é inadequado ou a incapacidade de testagem [é inadequada], ou mesmo quando somente os casos mais graves são testados, consequentemente, observa-se alta positividade”, explica uma nota técnica da Fiocruz publicada em dezembro de 2020.
Jonas Brant, epidemiologista e coordenador da Sala de Situação da UnB, afirma que a proporção brasileira de positivos é muito alta quando se fala de uma doença com sintomas que podem ser leves.
“Precisamos testar mais para achar cada caso. Quando se analisam outros países em número de testes, o Brasil está lá embaixo na lista. Quase 30% de positivos significa que estamos perdendo muitos casos. Eu diria que países controlando e entendendo a evolução da pandemia têm uma proporção de, no máximo, 10% de positivos. Acima disso, há uma dificuldade muito grande de conter o coronavírus”, ensina o professor da UnB.
A proporção de testagem por habitantes também é baixa: ainda de acordo com o Ministério da Saúde, é feita uma média de 7.389 exames por 100 mil habitantes. Cuba, por exemplo, faz 40.560 testes para cada 100 mil habitantes, segundo dados da plataforma Our World in Data.
No Brasil, a semana epidemiológica que teve mais exames realizados foi entre 14/3 e 20/3, com 757.794 testes. Porém, mesmo com a epidemia avançando nas semanas seguintes, a quantidade de exames vem caindo. Na última semana, foram realizados 330.029, quase a metade do número máximo.
Problema antigo
A pesquisadora da USP e membro do Observatório Covid-19 BR, Lorena Barberia, explica que os problemas de testagem no país vêm desde o início da pandemia. Nos primeiros meses, a estratégia foi dividida entre exames de RT-PCR e testes rápidos (sorológicos), e não ficou claro para a população como agir depois do resultado positivo.
“Isso acabou confundindo a área de vigilância, rastreamento e isolamento. Muitos faziam a sorologia para saber se já estavam com a doença e poderiam circular (o exame só mostra se o paciente já foi infectado no passado), e isso causou muito problema”, conta. O teste ideal para esse tipo de monitoramento deve ser o RT-PCR ou o de antígeno, ambos mostram se a pessoa está contaminada com o vírus no momento e, portanto, deve ser estritamente isolada para evitar a transmissão para outras pessoas.
A pesquisadora lembra que a recomendação é que para cada pessoa infectada, os contatos próximos – em média, 10 pessoas – também sejam testados. “Quando tivermos uma escola aberta que tem um caso confirmado de Covid, se testarmos a escola inteira e identificarmos 25 contaminados antes que o vírus se espalhe, conseguimos isolar e evitar um surto”, explica. Assim, haveria também um entendimento maior de como é a cadeia de transmissão do vírus.
“Estamos falando de uma doença que começa a ser transmitida antes mesmo de o paciente apresentar sinal da infecção, uma doença que pode ser muito leve ou assintomática. Precisamos testar pessoas com qualquer sintoma respiratório ou que tiveram contato com caso confirmado, o ideal é que tivéssemos um volume de testes que nos permitisse não perder nenhum caso. Precisamos aumentar a sensibilidade do sistema e captar todos os casos que acontecem na comunidade”, completa Brant.
Até hoje, mais de um ano depois do começo da pandemia, ainda não ficou decidida uma estratégia clara para cada tipo de teste. Além disso, o tempo médio de espera para o resultado de um exame RT-PCR são 10 a 12 dias – quando o resultado chega, o paciente nem tem mais sintomas e está circulando normalmente há dias, transmitindo o vírus sem saber.
A professora indica ainda que nem todos os dados divulgados pelo governo federal são confiáveis: muitos estados apenas reportam os resultados dos testes de RT-PCR, mas não de antígenos, e o retrato feito pelo ministério não seria o ideal. “Nossos dados sobre testagem são muito insuficientes”, afirma.
Ministério da Saúde
A estratégia do Ministério da Saúde para mudar a situação foi anunciada na última quarta-feira (28/4), pelo ministro Marcelo Queiroga. O cardiologista afirmou que será lançado um programa de testagem da população, mas ainda não há data para o início da campanha.
O objetivo do governo é identificar os casos positivos e seus contatos, para garantir que cumpram a quarentena e, assim, diminuir a transmissão do vírus. Serão usados testes antígenos, que funcionam como o RT-PCR, mas emitem resultados em cerca de 30 minutos.
Questionado sobre a explicação para a queda na quantidade de testagens nas últimas semanas, o Ministério da Saúde não respondeu até o fechamento desta reportagem.