Com alergias de ovo a tomate, blogueira teve que reinventar a própria alimentação
Jornalista de 27 anos usa as redes sociais para compartilhar receitas adaptadas e dar dicas sobre como conviver com a dermatite atópica
atualizado
Compartilhar notícia
Imagine como seria sua alimentação se você tivesse que retirar do cardápio tudo que contenha leite, ovo e trigo. Agora, retire também soja, carne bovina, frutos do mar, todos os tipos de nozes e algumas frutas, incluindo tomate. O que sobraria? “Todo o resto”, responde Sarah Soares, jornalista de 27 anos que ensina receitas para alérgicos e pessoas com intolerância alimentar.
Sarah é autora de dois livros com receitas totalmente livres de ingredientes alergênicos. Além das alergias, ela convive com dermatite atópica, doença de pele autoimune que, em alguns pacientes, tem na alimentação um gatilho para crises. Pelo Instagram, YouTube e no Blog do Alérgico, ela ensina como adaptar pratos que muitos alérgicos e intolerantes achavam que nunca mais poderiam provar, como bolos, pudins, salgados e tortas.
A notícia de que deveria mudar radicalmente a forma como comia veio há quatro anos, quando Sarah passava por uma intensa crise de dermatite. Após uma consulta com um alergologista, os resultados caíram como uma bomba. “Foi muito assustador”, relembra. “Tenho dermatite desde bebê e nunca tive essa orientação, de que a dermatite poderia ser controlada pela alimentação.”
A mudança precisou ser ainda mais drástica por um detalhe: Sarah não estava acostumada a comer alimentos preparados em casa, muito menos feitos com ingredientes naturais. “Minha família não é de cozinhar, então os ultraprocessados eram muito comuns”, completa. Doces com bastante leite condensado, temperos prontos e comida congelada faziam parte do repertório diário da família.
Quando o médico repassou as novas orientações alimentares, Sarah entrou em desespero. “Mesmo depois de todo este tempo, quando penso nisso, lembro que foi um momento de muita dor”, descreve. “Eu também tinha muitos preconceitos. Achava que comida sem glúten, por exemplo, era coisa de gente ‘fitness’”, comenta. “Era tudo muito desconhecido, mas, com o tempo, aprendi a forma certa de pesquisar as substituições.”
Hoje, além de dominar a cozinha, Sarah fez novas conexões com seguidores que vivem o mesmo que ela. “Tenho dermatite muito intensa e, mesmo com tratamento, há crises”, explica. “Conhecer outras pessoas iguais a mim fez muita diferença para eu aceitar minha pele. Não queria que essas pessoas passassem pelo que passei, de pensar que sou uma pessoa sem sorte.”
Como surgiu a ideia de dividir as suas receitas na internet?
Eu sempre gostei de cozinhar, mas era uma comida muito diferente desta que faço hoje. A ideia do blog surgiu quando comecei meu primeiro tratamento [para a dermatite]. Tenho vídeos dessa época que nunca postei porque vi que não estava emocionalmente preparada. Via como estava minha pele, só usava gola comprida, manga cumprida, calça. Os momentos que minha pele aparecia no vídeo me machucavam muito.
Em 2019, estava para me formar e precisava fazer o trabalho de conclusão de curso, aí surgiu a ideia de trabalhar com produção de conteúdo. Eu já não me enquadrava nas ideias do jornalismo tradicional, essa coisa mais “hard news”, não conseguia produzir tão bem e queria algo diferente.
Conversei com meu marido, decidimos economizar e pedi demissão do meu emprego da época. No começo, testei algumas receitas de leite condensado para vender, vendi marmitas e lançamos nosso primeiro livro, só com receitas de café da manhã. A partir daí, vi que dava para construir uma carreira com produção de conteúdo sem necessariamente ser uma influencer.
Do que vai tratar seu próximo livro? Já tem data de lançamento?
Os dois livros são digitais e o próximo será com receitas mais gerais, um guia para quem precisa ou quer se adaptar e ter uma vida livre de leite, ovo e soja. Estou planejando o lançamento para fevereiro ou março.
Qual a melhor forma de encontrar receitas sem ingredientes que podem causar alergia?
Tenho uma prima celíaca, então já possuía alguma noção de como era uma dieta sem glúten, mas ainda não sabia fazer substituições. Fiz uma panqueca horrível porque usei só farinha de arroz, por exemplo. Uma coisa que me ajudou muito foi realizar buscas com o termo “receitas veganas sem glúten”, que são receitas que naturalmente não incluem ovo e leite.
Qual a sua recomendação para pessoas que também se descobriram alérgicas a vários ingredientes?
Acho que a pessoa tem que viver todo o luto. Muita coisa vai acontecer, sua vida social será impactada. Você não vai conseguir jantar com seus amigos numa boa, ir a restaurantes com tanta facilidade. Então, é importante ter um tempo para entender que você vai ficar triste, com raiva e frustrada em alguns momentos, mas é normal.
É importante se abrir para as coisas, não ficar com essa ideia de “amo queijo e vou morrer se não comer”. Isso não é verdade, você vai descobrir novos sabores. Chega um ponto em que essa sensação passa e aquela comida não vai mais fazer tanta diferença. Entenda, também, que você vai errar, comer alguma coisa que não pode sem querer. No começo, eu ia em restaurantes orientais e comia tudo com molho shoyo sem me tocar que ele é feito de soja.
Sinto que temos um distanciamento do processo de como as coisas são feitas, como são produzidos os alimentos. Precisamos reverter isso.
Você já passou por algum “perrengue” por conta da alimentação?
Uma vez, tive que viajar para São Paulo e despachei uma mala cheia de comida. Aquilo me deu uma ressaca emocional terrível. Outra situação aconteceu durante a minha primeira viagem internacional com meu marido: tive uma crise estomacal terrível e tive que sair correndo para usar o banheiro de uma loja.
O que não dizer para uma pessoa com alergias e/ou dermatite?
Uma vez um médico me disse que nunca tinha visto alguém com tantas alergias e que, provavelmente, parte delas era frescura minha. Ele disse que eu deveria tomar um leite de cabra de vez em quando, que não me faria mal. Muitas pessoas que nem conheço também me abordam para dizer que é frescura ou que elas morreriam se fossem iguais a mim.
Isso é horrível porque as pessoas tratam você como louca, exagerada. Eu sei que quem diz “come só um pedacinho” está falando amorosamente, mas me sinto mal, porque parece que estou fazendo alguma desfeita.
A frase “come e depois toma um remedinho” também é péssima, porque o “remedinho” que preciso tomar é um corticoide, que tem efeito rebote e pode causar outros problemas. Não faz sentido.
Como equilibrar as restrições e a vida social?
Antes da pandemia, eu e meu marido criamos um evento em casa em que a gente cozinhava para cinco amigos. A gente fazia aqui em casa justamente por causa das minhas restrições. Hoje já consigo ir à casa de amigos mais próximos e digo o que posso e o que não posso comer. Mas comer na casa dos outros é sempre uma “nóia”, tem sempre um fantasma me rondando. “Será que vou passar mal? Será que este jantar vai desencadear uma mega crise?”.
Além da alimentação, o que você faz para controlar as crises de dermatite?
A dermatite é muito influenciada pelo psicológico, então faço acompanhamento com um psicólogo há anos. Sinto que me ajuda porque, além da alimentação, o lado emocional piora a dermatite. Também é bom para lidar com as restrições e com o julgamento das pessoas, que é muito intenso.
Além disso, faço yoga e medito às vezes. É importante conseguir me desligar, sou uma pessoa muito ansiosa e, com a pandemia, tudo isso piorou muito.
Veja algumas receitas de Sarah para te inspirar:
Cookie sem glúten e sem lactose:
Como substituir o ovo:
Brownie vegano, sem farinha e sem açúcar: