Cinco fatos revelam como o Brasil perdeu direção no combate ao coronavírus
Três meses depois do primeiro caso confirmado da Covid-19, país é o 2º mais afetado do mundo pela pandemia e tem quase 24 mil mortos
atualizado
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Em 26 de fevereiro, há exatos três meses, o Ministério da Saúde confirmava o primeiro caso do novo coronavírus no Brasil. A notícia sobre um empresário de 61 anos que havia chegado de viagem da Itália e testou positivo em São Paulo inaugurava a epidemia no país e, de lá para cá, as alterações na realidade de milhões de brasileiros foram profundas.
Apontado como novo epicentro da doença na América Latina, o Brasil soma 374.898 mil casos confirmados da Covid-19, segundo os dados mais recentes apresentados pelo Ministério da Saúde. Em apenas três meses, foram 23.473 mil mortes.
A crise de saúde pública avançou pelo país paralelamente aos conflitos políticos. A população assistiu dois ministros da Saúde pedirem demissão. Hoje, a pasta é liderada pelo “mandato tampão” do general Eduardo Pazuello. O desalinho de informações e até o negacionismo em relação à gravidade da doença são apontados por especialistas como determinantes para o atual descontrole em relação à pandemia.
“No início, conseguimos achatar a curva. Era um cenário mais tranquilo, era uma doença importada. A mitigação foi bem-sucedida, porque era ‘fácil’ isolar as pessoas que vinham de fora e apresentavam sintomas. Mas, mergulhamos nessa crise política insana. Com toda essa incongruência, confusão de informações, cai um ministro, depois outro… Isso levou as pessoas a abandonarem o isolamento social e a doença chegou às regiões periféricas, onde o controle é muito menor”, aponta o diretor científico da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, José Davi Urbaez.
O médico infectologista Leonardo Weissmann, da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), afirma que, no início, boas práticas estavam sendo seguidas, mas a mudança de direção aumentou o risco para a população.
“Essa doença apareceu em vários países antes de chegar aqui. Então, a impressão que tínhamos era de que o país tinha um sistema de vigilância robusto, o Ministério da Saúde estava alinhado com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas chegou um ponto em que ‘achismos’ interferiram nas decisões tomadas. Já era esperado que o número de casos no Brasil pudesse crescer, mas o desencontro de orientações entre o ministério e o presidente afetou a tomada de decisão das pessoas, consequentemente o isolamento social se reduziu”, avalia o infectologista.
De acordo com Weissmann, não é possível qualificar em que ponto o Brasil está em relação ao vírus: se a curva continuará ascendendo ou se está próxima de uma estabilização. “Existem modelos teóricos, mas, na prática, não dá para saber pela falta de testes. O número de casos e mortes continuam crescendo. Não tem vacina. Não tem teste.”
Na visão de Jonas Lotufo Brant de Carvalho, professor do Departamento de Saúde Coletiva da UnB, o país “gastou um tempo precioso e não está conseguindo abordar o tema de forma eficaz”. Ele explica que as questões políticas desviaram o foco das técnicas e isso afetou o discernimento da população para a gravidade do novo coronavírus.
Veja fatos que comprovam os problemas de gestão da crise de saúde pública:
1. Brasil se tornou o 2º país do mundo mais atingido
Com 374.898 mil casos registrados — fora a sabida subnotificação –, o Brasil passou a ocupar o segundo lugar no ranking da universidade americana Johns Hopkins de locais com mais casos confirmados da Covid-19. Fica atrás apenas dos Estados Unidos (mais de 1,6 milhão de diagnósticos). O diretor do programa de emergências da OMS, Michael Ryan, declarou a América Latina como novo epicentro da Covid-19. Além disso, apontou o Brasil como o país mais preocupante.
2. Estados decretam lockdown, outros anunciam flexibilização
Nos últimos 90 dias, ao menos oito estados brasileiros aderiram ao lockdown em algum momento. Cidades do Rio de Janeiro, Pará, Tocantins, Amapá, Roraima, Paraná, Amazonas e Maranhão recorreram ao bloqueio total para tentar frear a contaminação. Outros governadores decidiram reduzir o isolamento social, como Santa Catarina e o Distrito Federal. O Ministério da Saúde tentou apresentar orientações mínimas para que estados e municípios fizessem uma gradação das medidas de distanciamento social, mas a iniciativa não foi para frente.
3. Três ministros da Saúde diferentes em três meses
Elogiado pela OMS, o ministro Luiz Henrique Mandetta decidiu deixar o Ministério da Saúde em 16 de abril. Divergências de medidas no combate ao novo coronavírus com o presidente Jair Bolsonaro foram os motivos alegados. O oncologista Nelson Teich assumiu a pasta no mesmo dia. Mais alinhado com o pensamento do presidente, ele durou apenas 28 dias no cargo. Teich anunciou o pedido de demissão no dia 15 de maio, após ser cobrado por Bolsonaro para liberar o uso de cloroquina em pacientes que apresentavam sintomas leves da Covid-19.
4. Cloroquina vira tema central da discussão
No dia 8 de abril, em pronunciamento na TV, o presidente Jair Bolsonaro defendeu oficialmente o uso da hidroxicloroquina e cloroquina no combate ao novo coronavírus. Ele chegou a afirmar que o medicamento não tem efeito colateral. Desde então, o presidente liderou embates para permitir o uso da substância na fase inicial da Covid-19, mesmo com a OMS pregando o contrário. Após a saída de Nelson Teich, e no mandado tampão do General Pazuello, o Governo Federal ampliou o protocolo de utilização da cloroquina. Ainda assim, muitos governadores vetaram o uso em seus estados.
5. Vírus deixa o centro e invade regiões menos estruturadas
O primeiro caso registrado ocorreu em São Paulo. Rio de Janeiro e Distrito Federal, as outras duas portas principais de entrada no país também registraram muitos casos no primeiro momento. Atualmente, porém, as regiões norte e nordeste do país estão com o sistema de saúde colapsado. Com infraestrutura carente de água encanada, esgoto, falta de acesso aos serviços de saúde, os locais são apontados por especialistas como o novo epicentro da doença no país.