Carga viral indetectável: o que significa o termo na luta contra o HIV
Especialistas e ativistas contra a aids falam sobre a importância de diagnosticar e tratar o HIV rapidamente para barrar a transmissão
atualizado
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Em 2012, a poeta e cineasta Marina Vergueiro, de 41 anos, descobriu que tinha contraído o vírus HIV. Alguns meses depois, a carga viral dela era indetectável, ou seja, a quantidade de vírus circulando no sangue era tão pequena que exames foram incapazes de determiná-la. Em 2017, após um consenso científico, veio uma boa notícia: estando indetectável, o vírus não poderia ser transmitido.
Embora o HIV siga incurável, ele já não é responsável por tantas mortes como no início dos anos 1980. As informações sobre a transmissão do vírus, a adoção de métodos para evitá-lo e os tratamentos para debelá-lo sofreram avanços notáveis de lá para cá. O que ainda persiste como um inimigo resistente à luta contra a aids é a sorofobia, o preconceito.
O vírus HIV é considerado indetectável no paciente quando há menos de 50 cópias dele circulando a cada ml de sangue analisado. Esse é o status de 95% das pessoas que estão em tratamento no Brasil. O Sistema Único de Saúde (SUS) distribui gratuitamente os remédios para controle do vírus e há várias opções para serem usadas no tratamento.
“Ter um diagnóstico rápido e iniciar o tratamento imediatamente é fundamental para se tornar indetectável o mais rápido possível”, explica o infectologista Celso Granato, da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML). “Quanto menor a carga viral inicial, mais rápido se chega ao nível indetectável. Pacientes que são diagnosticados cedo e começam o tratamento logo podem chegar a esse nível em apenas um mês. Quem não consegue, demora mais para alcançar esse estágio”, resume.
Falta de acesso para o tratamento
Segundo os dados do último boletim epidemiológico sobre o HIV no Brasil, divulgados em 3 de dezembro pelo Ministério da Saúde, duas de cada dez pessoas que receberam o diagnóstico positivo para o vírus no Brasil não estão fazendo o tratamento e permanecem com o vírus ativo no organismo.
O percentual de pessoas que inicia o tratamento na mesma semana que recebe o diagnóstico, cenário considerado ideal, representa 42% dos infectados. Cerca 5% só começam o tratamento seis meses após o diagnóstico.
O diretor geral da Aids Healthcare Foundation (AHF) no Brasil, Beto de Jesus, considera que o atraso no diagnóstico e tratamento reflete exclusões sociais sistêmicas do Brasil. “Nos últimos 40 anos, o tratamento de HIV avançou drasticamente. Mas ainda há dificuldades para o diagnóstico e o tratamento de pessoas empobrecidas e com piores condições de trabalho, de vida e de moradia. Via de regra, as pessoas LGBTQIA+ que são negras e periféricas costumam sofrer muito mais com essa exclusão”, resume o especialista.
Exclusão que prejudica o tratamento
Apesar de viver em um bairro privilegiado e de ter acesso à informação sobre saúde, o diagnóstico de Marina foi tardio e ela já estava manifestando a aids, a doença causada pelo vírus. “Estava me sentindo muito mal e fui internada em um hospital em 2012. Por mais remédios que tomasse, só piorava. Isso foi um erro médico. Como não me enquadrava no grupo que eles consideram de risco, sendo uma mulher branca, de classe média alta e em relação monogâmica heterossexual, eles demoraram mas de uma semana para me testar. Foi quando um exame detectou o HIV. Minha carga viral já estava bastante alta e a minha quantidade de linfócitos baixa”, relembra.
No caso dela, o medo de fazer o teste do HIV tinha permitido que a doença evoluísse. “Sempre me protegi e achava que tinha uma vida de pouco risco. Mas uns anos antes, no meu primeiro namoro sério, deixei a camisinha de lado. Hoje sei que deveríamos ter feito testes disso, mas eu, na verdade, não imaginava que isso aconteceria comigo”, reconhece.
Marina iniciou imediatamente o tratamento contra a doença e conquistou o status de indetectável meses depois. Entretanto, permaneceu por anos com dificuldades de se relacionar afetivamente. “Usei a poesia, a arte para escapar disso, para entender que poderia ser acolhida”, lembra.
Uma poesia de Marina sobre a luta dela contra o HIV viralizou na web na última semana ao ser interpretada pela atriz Bruna Linzmeyer. O texto reflete a jornada de superação vivida pela cineasta na luta contra o vírus. A pacificação definitiva só veio em 2017, quando ela soube que o diagnóstico de indetectável representava que ela era incapaz de transmitir o vírus.
“O preconceito e a discriminação começaram no dia que recebi o diagnóstico. Quando a gente sabe que tem o vírus, inevitavelmente, entra em um quadro de depressão. A sociedade nos afasta, nos enche de preconceitos, de fake news. A gente passa a sentir que não pode mais amar, nem sentir prazer. Então, imagina o alívio que foi descobrir que “os indetectáveis” não transmitem o vírus”, afirma.
Na segunda-feira (9/12), Marina lançou um performance contra o preconceito chamada de Clube do Carimbo. No vídeo, o corpo dela é carimbado com as frases que ela sempre tem de reproduzir: “Pessoas que vivem com HIV, em tratamento, não transmitem o vírus!”, “Não pega!” e “Não passa!”.
Estar indetectável é estar curado?
O status de indetectável é uma grande conquista do tratamento, mas ele não representa a cura. Os medicamentos impedem que o vírus se multiplique, o que poderia adoentar o indivíduo e infectar outras pessoas.
Entretanto, o HIV é um vírus altamente resistente, capaz de esconder cópias de suas informações genéticas dentro de cromossomos das pessoas soropositivas, o que impede que as defesas do corpo o detenham. Essa é uma das particularidades do vírus que mais dificultam a descoberta de uma cura para a condição.
Por isso, as pessoas com HIV indetectável ainda possuem algumas restrições de saúde: precisam manter o tratamento de forma contínua, não podem doar sangue e as mães com o vírus não podem amamentar, já que o leite materno é potencialmente contaminante para o bebê.
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De quanto em quanto tempo é feito o exame periódico?
O Ministério da Saúde recomenda realizar exames de CD4 e carga viral de três a quatro vezes por ano. Essa frequência ajuda a identificar possíveis resistências aos medicamentos. Esses exames são oferecidos gratuitamente pelo SUS aos pacientes em tratamento.
Já para a população em geral, a periodicidade dos testes diagnósticos varia de acordo com as práticas sexuais. Caso aconteça exposições sexuais de risco como o sexo sem uso de preservativo ou uma violência sexual, é recomendado buscar serviços de saúde para testagem e PEP (profilaxia pós-exposição) em 72 horas. Os medicamentos entregues ajudam a diminuir o risco de contágio do HIV.
Em pessoas com frequentes exposições de risco, como homens que fazem sexo com homens, pessoas trans e trabalhadores do sexo, é recomendada a testagem regular a cada 4 meses e o uso da PrEP (profilaxia pré-exposição). Estes medicamentos tomados regularmente também diminuem o risco de contágio do HIV.
Fora dessas circunstâncias, é recomendada a testagem rápida para infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) na população sexualmente ativa anualmente.
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