Câncer de mama sem quimio: conheça a evolução dos tratamentos
Protocolo depende do tipo e do tamanho do tumor, mas, em casos diagnosticados precocemente, nem sempre é necessário optar pelos medicamentos
atualizado
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O tratamento do câncer de mama mudou muito nos últimos 30 anos. O tumor não é mais uma sentença de morte. Longe disso, a taxa de sucesso alcançado com enfrentamento da doença varia entre 80% e 70% dos casos. Os cuidados agora não passam obrigatoriamente pela quimioterapia. E, hoje, não são todas as pacientes que perdem os cabelos ou são submetidas a cirurgias radicais para retirar as mamas. A imagem da mulher prostrada pela enfermidade não se encaixa mais na realidade.
Com a evolução das tecnologias destinadas à prevenção e ao combate da doença, tumores identificados com antecedência podem ser exterminados mesmo sem o tratamento radical que, ao longo dos anos, tornou-se padrão. A medicina ruma para trabalhar com a precisão: o objetivo é encontrar protocolos perfeitos para cada tipo de câncer e diminuir o peso físico e emocional de lidar com a doença.
Mudança no protocolo
Uma das principais evoluções que a oncologia mamária conquistou nos últimos anos foi a consolidação de que o câncer de mama não é uma única doença. Hoje, sabe-se que os tumores são divididos em pelo menos três categorias: hormônio positivo (que tem expressão de receptores hormonais), o HER2 positivo (proteína presente em cerca de 20% dos tumores) e o triplo negativo (sem nenhum dos receptores).
“Passamos a entender que o câncer de mama é um conjunto de doenças com comportamentos muito distintos. Há tumores muito agressivos, e outros menos. A subclassificação permite que o médico decida a terapia ideal para cada paciente”, explica Rafael Kaliks, oncologista clínico e diretor científico do Instituto Oncoguia.
Romualdo Barroso, oncologista e coordenador de pesquisa do Hospital Sírio-Libanês, conta que é preciso avaliar ainda a extensão da doença (chamado de estadiamento), as características biológicas da neoplasia, a idade e a saúde da paciente para definir o curso do tratamento.
Se antigamente o padrão era cirurgia, quimioterapia e radioterapia, hoje o cenário mudou. Principalmente em mulheres com cânceres em estágios iniciais, dependendo do resultado dos exames, pode-se pular a quimioterapia e substituí-la por um tratamento menos agressivo, como a hormonioterapia, por exemplo.
É o caso da psicóloga Adriana Gebrim, de 41 anos. Ela foi diagnosticada durante a pandemia, em 2020. O pequeno tumor, de cerca de 1 centímetro, nem sequer apareceu na mamografia, mas foi identificado na ecografia. A biópsia constatou um carcinoma do tipo mais leve.
“Nunca passou pela minha cabeça que eu teria esse diagnóstico tão jovem. A gente sempre associa câncer com estágio terminal e morte. Meu emocional inicialmente ficou bastante abalado, mas foi um tumor detectado muito rapidamente. Passei por uma bateria de exames, fiz o mapeamento genético e os médicos decidiram que não era necessário fazer a mastectomia total. Foi a primeira boa notícia”, conta Adriana.
A psicóloga passou pela cirurgia de quadrante, que só retira um pedaço da mama. O tumor foi encaminhado para outro laboratório, com o objetivo de passar pelo exame que mostra a necessidade de quimioterapia.
O teste mostrou que o tipo de câncer de Adriana não seria beneficiado pela quimioterapia, motivo pelo qual ela passou direto para 18 sessões de radioterapia e tratamento com hormonioterapia. “Meu conhecimento sobre a doença se ampliou. Descobri que nem todo mundo precisa de quimio e fiquei bem surpresa com essa informação”, lembra a psicóloga. O tratamento foi feito na Rede D’Or, em Brasília.
Ela diz que viveu uma superação incrível depois do choque inicial e se apegou à espiritualidade para passar pelo tratamento de forma tranquila e confiante. “Em semanas, eu já estava com a cabeça erguida, querendo enfrentar a doença. Fui fortalecida pela minha fé”, explica. Agora, ela segue com os medicamentos orais e deve continuar com os remédios por cerca de cinco anos.
Evolução do tratamento
Os fármacos administrados no tratamento também evoluíram e algumas pacientes já não começam o processo pela cirurgia. É possível utilizar alguns remédios antes do procedimento, para diminuir a agressividade da operação, por exemplo.
Com o intuito de tornar o procedimento menos invasivo, também foi desenvolvida uma técnica cirúrgica diferente, chamada adenomastectomia, que preserva a pele, mamilo e auréola.
“No ponto de vista da doença metastática (que já se espalhou pelo corpo), também temos mudanças importantes, novas medicações, novas classes de remédios. Há também avanços na imunoterapia para o subtipo triplo negativo, que costuma ser muito agressivo. Aprendemos também que é possível encurtar a duração da radioterapia em muitos casos, sem risco de recidiva”, explica Kaliks.
Até a quimioterapia já avançou, e hoje existem opções de fármacos que ajudam a combater os efeitos colaterais, e uma touca para diminuir a queda de cabelo decorrente do tratamento. “A quimio que usamos hoje é diferente daquela de 30, 40 anos atrás. É infrequente ter vômitos relacionados à medicação, necessidade de se internar etc.”, conta Barroso.
Hoje, o diagnóstico de câncer de mama não é mais o fim do mundo, e a detecção precoce é essencial para garantir um bom prognóstico. O diretor do Oncoguia ensina que a neoplasia é uma das mais curáveis, com uma taxa de sobrevida entre 70% e 80%. “Poderia ser ainda maior, mas não conseguimos oferecer o melhor tratamento para todas as pacientes”, afirma Rafael Kaliks.
Diferença no SUS
Apesar de o tratamento estar evoluindo rapidamente, ainda há um abismo na forma com que a assistência médica acontece no SUS, em comparação com o atendimento fornecido pela saúde suplementar. “As drogas têm sido desenvolvidas em alta velocidade, mas a incorporação no SUS é muito devagar e, por isso, o tratamento na rede pública é muito diferente”, explica Barroso, que também trabalha no Hospital de Base, de Brasília.
O oncologista conta que um exame importante, que ajuda o médico a definir se a paciente precisa ou não de quimioterapia, não é feito pelo SUS, e os planos de saúde não arcam com o custo. Só faz o teste quem pode pagar. Por isso, a rede pública ainda adota uma abordagem mais conservadora do tratamento, e acaba prescrevendo muito mais quimioterapia do que o setor de saúde privado.
As pacientes do SUS também acabam sendo diagnosticadas com tumores mais avançados, uma vez que o acesso à mamografia e ecografia é mais complicado. E o tempo é uma variável muito importante quando se trata um câncer: quanto maior ele fica, pior é o prognóstico.
Kaliks concorda que o tratamento no SUS ainda é atrasado e não acompanha os avanços da oncologia mamária, mas lembra que a rede pública ainda salva muitas vidas. “O SUS trata e cura muitas mulheres. Precisa melhorar, mas é necessário reconhecer o tanto que ele ajuda a nossa população”, diz.