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Empático ou antissocial? Pesquisa relaciona uso de máscara à personalidade

Estudo da Universidade Estadual de Londrina investigou como adesão ao item de proteção é influenciada por características de comportamento

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Fabiano Miguel/ Imagem cedida ao Metrópoles
Professor Fabiano Miguel
1 de 1 Professor Fabiano Miguel - Foto: Fabiano Miguel/ Imagem cedida ao Metrópoles

Estudos publicados nos últimos meses mostram que o uso de máscaras reduz as chances de contaminação pelo novo coronavírus. No entanto, ainda existem pessoas que se recusam a usar o equipamento de proteção ao sair de casa.

Um estudo realizado pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), no Paraná, publicado no periódico Personality and Individual Differences, mostrou que os resistentes apresentam tendências antissociais, com atitudes mais voltadas para o benefício próprio do que para o bem-estar comum.

A pesquisa liderada pelo professor Fabiano Koich Miguel, psicólogo da UEL e integrante do grupo GT Avaliação Psicológica e Psicopatologia, contou com a participação dos psicólogos Lucas de Francisco Carvalho, Gisele Machado e Giselle Pianowski e procurou entender como as pessoas estão lidando com a pandemia, situação que implicou mudanças de comportamento para a imensa maioria da população.

Ao todo, 1.578 voluntários de todos os estados do Brasil, com idade entre 18 e 73 anos, participaram das entrevistas realizadas entre 21 de março e 29 de junho. Eles responderam três questionários de avaliação das características psicológicas via internet. O objetivo era alcançar pessoas de diversas regiões brasileiras.

Em entrevista ao Metrópoles, Fabiano Miguel conta detalhes de como o estudo foi realizado e como os resultados podem ser interpretados.

Quais perguntas foram feitas aos entrevistados?
Utilizamos dois questionários para avaliar as características psicológicas: um para avaliar personalidade antissocial (PID-5) e outro para avaliar empatia (ACME). Ambos são utilizados internacionalmente em pesquisas com essas características, e já foram adaptados e estudados também no Brasil. Também construímos um questionário específico para esta pesquisa.

Juntando os três, são 122 perguntas. O PID-5 avalia frequência de comportamentos antagonistas, sensação de estar desconectado das outras pessoas, etc. O ACME avalia capacidade de se colocar no lugar das outras pessoas, entender seus motivos e sentimentos.

Como os testes foram adaptados para a realidade da pandemia?
Nós construímos um questionário específico para esta pesquisa. Este era mais simples, perguntava sobre a experiência do participante com a pandemia: se considerava importante usar máscara, realizar higiene constante das mãos, praticar distanciamento social, etc. Os dados desse questionário foram relacionados com os dois instrumentos psicológicos, para estudar se havia padrões de resposta.

Como a pesquisa dividiu a população estudada?
De acordo com os resultados, encontramos dois grupos opostos: empatia, (com 1.173) pessoas que se preocupam mais com o bem-estar dos outros e tendem a extrair mais prazer da convivência social; e antissocial, (com 405) pessoas cujas interações sociais são mais voltadas para benefício próprio em vez do bem-estar comum e tendem a ter uma vivência social negativa.

Esses são perfis psicológicos que independem da pandemia, ou seja, que podem ser encontrados na população geral.

Como os perfis empático e antissocial se comportam na pandemia da Covid-19?
As diferenças mais significativas foram no nível de engajamento com as medidas de contenção. O grupo empático respondeu o questionário mostrando maior preocupação em usar máscara, higienizar sempre as mãos, adotar isolamento social para evitar o contágio – a preocupação era tanto contrair a doença quanto transmiti-la para outras pessoas.

Já o grupo antissocial mostrou menor preocupação com essas medidas, minimizando a importância delas ou até mesmo a doença.

Além de máscara, pessoas com perfil antissocial seguem outro padrão de comportamento?
Sim, também minimizaram a importância de manter o isolamento social e de praticar a higiene das mãos constantemente.

Quais características foram observadas nas pessoas empáticas?
Empatia diz respeito à capacidade de compreender as outras pessoas, seus pensamentos, suas intenções, suas necessidades, sem necessariamente estar passando pelas mesmas experiências que elas. As pessoas empáticas costumam levar em conta as opiniões dos outros na hora de tomar decisões e buscam o bem-estar comum, mesmo que, às vezes, isso implique em abrir mão de algumas vontades próprias.

Quais características de personalidade são associadas às pessoas antissociais?
Quando nos referimos ao transtorno da personalidade antissocial, existem algumas características mais típicas. Podemos ressaltar a insensibilidade ou indiferença aos outros, tendência a enganar, manipulação, hostilidade, impulsividade e irresponsabilidade. Também vale ressaltar que a baixa empatia é uma característica importante. Em nosso estudo, o foco foi nessas características, típicas do transtorno antissocial, embora a nossa amostra não tenha abarcado pacientes com diagnósticos confirmados (de transtorno antissocial ou quaisquer outros).

Essas características estão associadas à “tríade sombria”, demonstrando traços de personalidade relacionados ao narcisismo, maquiavelismo e psicopatia?
Sim, a antissociabilidade e a psicopatia são quadros com descrições bastante próximas. Esses três traços (narcisismo, maquiavelismo e psicopatia) tendem a caminhar juntos, embora nem sempre uma pessoa manifeste essas três características simultaneamente.

Nosso estudo investigou apenas o traço antissocial, então não podemos dizer com total certeza sobre a relação da tríade sombria com as medidas de contenção.

O que determina os comportamentos dessas pessoas?
Existem causas diversas para a formação da personalidade. Há tanto influências genéticas, como influências culturais e influências das experiências individuais que todo mundo passa ao longo da vida. Seria difícil determinar uma causa única que valesse para todo mundo, mas há experiências que são mais comuns a esses quadros.

Por exemplo, pessoas com mais empatia tendem a ter uma vivência social mais prazerosa, recompensadora, preocupando-se mais com o bem-estar dos outros. Já as de personalidade antissocial tenden a ter uma vivência social negativa, com interações mais voltadas para benefício próprio em vez do bem-estar comum.

Todas as pessoas que se negam a usar máscara têm as mesmas características?
Não necessariamente. Não podemos dizer que todo mundo que se nega a usar máscara tem perfil antissocial, ou seja, que se preocupa mais com o benefício próprio do que com o bem-estar comum. Há uma tendência maior, mas é provável que outros fatores também estejam influenciando.

Essas pessoas representam risco para a sociedade durante uma pandemia como a da Covid-19?
A resposta para essa pergunta não é simples, pois as pessoas apresentam diferentes níveis de antissociabilidade. Algumas podem ser mais individualistas e não se envolver em atividades das quais não possam extrair benefício, enquanto outras pessoas podem ser mais agressivas e causar aos outros prejuízos físicos, econômicos, de saúde, etc. Níveis extremamente altos (que se enquadrariam em um transtorno da personalidade antissocial) podem representar risco para a sociedade, independente do contexto da pandemia.

A pesquisa aconteceu no intervalo de 15 semanas. O comportamento das pessoas mudou nesse período?
Durante esse período, o nível de engajamento nas medidas de contenção – tanto do grupo empatia quanto do grupo antissocial – tendeu a se manter relativamente estável. As pessoas tenderam a mudar pouco seus hábitos. Elas não começaram a se engajar mais (nem menos) na quarentena e nas medidas de contenção, ao longo do tempo.

Quais foram as justificativas mais comuns dadas pelas pessoas para explicar a recusa de usar máscara?
Nós ainda não fizemos as análises da justificativas. Essa análise fará parte de um estudo futuro. Apesar disso, alguns estudos têm encontrado que algumas pessoas acham que a pandemia é um exagero, o que pode explicar a recusa por usar máscaras.

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