O braille vai acabar? Deficiente visual conta como IA ajuda na rotina
O brasiliense Matheus Pereira da Silva, 26 anos, é defensor do uso da tecnologia, mas ainda recorre ao sistema braille para tocar violão
atualizado
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No Brasil existem mais de 6,5 milhões de pessoas com deficiência visual, sendo 500 mil cegas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Se há alguns anos esses indivíduos dependiam completamente da tradução em braille, hoje, a tecnologia é uma aliada diária. Eles podem contar com leitores de tela para converter em áudio os textos e imagens de smartphones e computadores, livros e cardápios de restaurantes — tudo a partir da leitura de um QR Code.
Isso sem contar a tecnologia assistiva, como o OrCam My Eye, um dispositivo inteligente acoplado aos óculos que faz reconhecimento facial, leitura de textos e placas, além de reconhecimento de cédulas de dinheiro, por exemplo.
O músico e estudante de tecnologia Matheus Pereira da Silva, 26 anos, é usuário de algumas dessas ferramentas de leitura. Embora tenha aprendido o sistema braille com 10 anos de idade, quando perdeu completamente a visão, ele acredita que o método é ultrapassado.
“A tendência é que acabe, e já está acontecendo. Nem todo mundo sabe ler em braille e é ainda mais difícil para quem se torna deficiente visual adulto. Eu acredito que o braille vai sobreviver apenas para alfabetização”, considera.
Matheus nasceu prematuro, com 6 meses, e acabou desenvolvendo descolamento da retina nos dois olhos após o período que passou na incubadora. Um procedimento cirúrgico conseguiu recuperar a visão do olho direito mas, aos 9 anos, o menino acabou perdendo definitivamente a visão.
Com 10 anos, Matheus foi para uma escola de reabilitação, onde aprendeu o sistema braille em apenas dois meses. “De outubro para dezembro eu já sabia ler em braille, mas essa habilidade foi se desenvolvendo aos poucos depois”, lembra.
No ano seguinte, ele voltou para uma escola regular, onde pôde estudar com o material didático adaptado para o braille. “A readaptação no geral é difícil porque a vida é bem diferente. Você precisa adaptar os livros”, conta.
Fã de Harry Potter, o rapaz compara o exemplar de um livro regular e um adaptado para o braille. “O braille tem as letras ligeiramente maiores para que a gente possa sentir as células nos dedos. Os livros são absurdamente maiores”, afirma.
Matheus conheceu a tecnologia dos leitores de tela por volta dos 12 anos de idade. Mesmo com as limitações da tecnologia de 14 anos atrás, eles facilitaram as pesquisas para trabalhos da escola. “Foi como conhecer um mundo novo, com acesso direto a livros de um jeito mais prático”, compara.
A evolução da inteligência artificial (IA) foi um marco importante, possibilitando a descrição de imagens e tradução mais ágil de materiais. Cada vez mais, o braille foi deixado de lado. O músico explica que a tecnologia trouxe acesso a informações que não estavam traduzidas em braille, como um PDF na faculdade, por exemplo.
A tecnologia vai substituir o braille?
O sistema braille foi criado em 1852 pelo francês Louis Braille. Ele é formado com caracteres em relevo para possibilitar a pessoas com deficiência visual, parcial ou total, o acesso à leitura.
O código se baseia na combinação de seis pontos dispostos em duas colunas e três linhas. Ao todo, 63 caracteres representam as letras do alfabeto, os números, os sinais de pontuação e acentuação. O sistema conta ainda com simbologia científica, musicográfica, fonética e informática.
A oftalmologista especialista em visão subnormal Glaucia Matos, do Visão Hospital de Olhos, em Brasília, acredita que a tecnologia veio para complementar o sistema braille e não para excluir. “Cada um tem a sua função”, afirma.
“É um sistema universal que independe de idioma. Além disso, ele faz parte do processo de alfabetização das crianças. Não podemos tirar isso delas. O surgimento do braille deu às pessoas com deficiência visual a oportunidade de inclusão social e acessibilidade a muitas coisas. Por isso, ele é tão importante”, considera.
Glaucia pondera que a tecnologia depende de recarregamento de bateria e algumas vezes internet, enquanto o conhecimento do braille não pode ser retirado de uma pessoa, tornando-a independente. “Conhecimento é permanente e pra sempre. Uma vez que a pessoa aprende, ela leva para o resto da vida. Tecnologia é importante, com certeza, mas nada substitui o aprendizado do sistema braille”, afirma.
O braille ainda tem um papel indispensável na rotina de Matheus. O músico depende dele para ler as partituras de guitarra e violão. “Pelo computador, ainda não tem como pegar as nuances da música”, afirma.
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