Alergia a dipirona: brasiliense cobra R$ 1 mi da indústria de remédios
Depois de tomar comprimidos para aliviar dores no corpo, Magnólia desenvolveu uma reação alérgica rara que quase a levou à morte
atualizado
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A técnica em enfermagem Magnólia Souza de Almeida, de 46 anos, espera há quase sete anos para receber R$ 1 milhão do laboratório Sanofi-Aventis, fabricante da Novalgina. A batalha da moradora de Taguatinga contra a multinacional de origem francesa começou ainda em 2007, quando a brasiliense desenvolveu a síndrome de Steven Johnson depois de tomar um comprimido do medicamento, cujo princípio ativo é a dipirona.
A síndrome é uma alergia fortíssima cuja incidência anual, de acordo com a literatura médica, corresponde a cinco pacientes para cada grupo de 1 milhão de pessoas. “A grande maioria dos casos de Steven Johnson é causada por uma reação imprevisível a um medicamento”, explica o médico Marcelo Vivolo Aun, diretor da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia. Segundo ele, há remédios que estão mais associados à reação adversa, mas analgésicos comuns, como a dipirona e o paracetamol, também podem provocá-la.
No caso de Magnólia, a reação foi tão forte que ela quase perdeu a vida. “Sobrevivi graças à fé que deposito em Deus”, diz a moradora de Taguatinga, que lembra detalhes do que passou.
No início da tarde de 9 de maio de 2007, ela estava no trabalho, no Hospital Anchieta, quando sentiu uma dor no corpo, como se fosse uma gripe chegando, e tomou o primeiro comprimido. Cerca de oito horas depois, já em casa, tomou uma segunda dose.
No dia seguinte, acordou com os olhos irritados e com algumas manchas vermelhas na região do pescoço, mesmo assim, foi trabalhar. No Hospital Anchieta, as colegas recomendaram que ela consultasse um oftalmologista da equipe. O médico diagnosticou conjuntivite e a mandou embora para casa com um atestado de cinco dias.
“Meus olhos ardiam muito e parecia que havia algo me queimando por dentro”, conta. Naquela mesma noite, Magnólia voltou ao Anchieta com febre alta, e, a partir daí, começaram as suspeitas de que ela estivesse dentro de um grave quadro de crise alérgica.
Os dias que se seguiram foram de terror. Apareceram bolhas d´água por todo o corpo de Magnólia, que evoluíram para queimaduras de terceiro grau.
“Fiquei cega, cerca de 80% da minha pele queimou, minha garganta fechou, meu canal vaginal fechou, meu cabelo caiu. Eu estava queimando por dentro”, relata. Magnólia foi transferida para o setor de Queimados do Hospital Regional da Asa Norte e dali só sairia depois de 65 dias de internação. De acordo com o casal, o prontuário dela na época registrou hemorragia interna, infecção generalizada e insuficiência renal.
“Os médicos chegaram a me avisar que ela não sobreviveria. Nesse momento, um deles me chamou no canto e disse ‘conte apenas com Deus a partir de agora’ “, relata José Lucivaldo Rodrigues de Almeida, 53 anos, marido de Magnólia. O momento é lembrado com emoção, pois marcou o reencontro do casal com a religião. “Senti algo poderoso, como se o médico fosse um mensageiro de Deus me avisando que eu precisava confiar Nele”, afirma o comerciante que, na época, trabalhava como motorista de ônibus.
Processo
Desde aquele segundo comprimido, Magnólia já passou por 44 cirurgias oftalmológicas. Ela, que chegou a ficar cega, hoje tem 15% da visão, mas segue no tratamento em São Paulo. Em 2007, foi aposentada por invalidez e, desde então, leva uma vida restrita em uma casa construída no terreno onde os pais moram. Para custear o tratamento, os dois venderam o lote que tinham em Ceilândia.
“O sol incomoda meus olhos e, por causa disso, saio pouco daqui”, relata. Não é pessoa, no entanto, que gaste tempo se queixando. “Houve um lado bom em tudo isso. Nós ficamos muito mais próximos”, comenta ela sobre o marido, com quem é casada há 21 anos.
Em agosto de 2012, o Tribunal de Justiça do DF condenou o laboratório Sanofi Aventis a pagar R$ 1 milhão como indenização por danos morais provocados ao casal. Na época, o relator do caso afirmou: “Foge à segurança razoável esperada que o remédio, de uso tão difundido, venha a causar tão grave moléstia, como a síndrome de Steven Johnson. A ré mesmo relata que apenas 1 a 6 pessoas em cada milhão desenvolvem o mal. Tenho que a ré assumiu o risco em colocar no mercado o remédio sabendo que ele pode causar graves problemas de saúde ao consumidor, ainda que em percentual mínimo”, afirmou
A farmacêutica, que é representada pelo escritório Pinheiro Neto, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2013, alegando não ter responsabilidade pelos prejuízos causados à saúde da técnica de enfermagem. “O argumento deles é que o risco é informado ao paciente, mas esse remédio é tão comum que é comercializado até sem bula”, afirma o advogado Eduardo Lowenhaupt da Cunha, que representa Magnólia.
Em nota enviada ao Metrópoles, a indústria farmacêutica afirmou:
A Sanofi, fabricante do medicamento Novalgina, informa que não comenta processos em andamento na Justiça. Importante ressaltar que Novalgina (dipirona monoidratada), presente no mercado brasileiro há 96 anos, tem bula aprovada pela Anvisa e, por meio de diversos estudos clínicos, comprovou sua eficácia e segurança como analgésico e antitérmico, sendo utilizada para o tratamento de dores e febre.
Desde outubro de 2013, o processo está no gabinete da ministra Maria Isabel Gallotti à espera de uma decisão. Procurada pela reportagem, a equipe do STJ informou que a causa deve ser apreciada ainda neste ano e que a demora se justifica pela complexidade do assunto. O escritório de advocacia Pinheiro Neto não quis se manifestar.