Acompanhamento terapêutico: tratamento inovador no DF ajuda pacientes fora de consultórios
O atendimento voltado às questões de saúde mental é realizado na casa do paciente ou mesmo em uma caminhada ao ar livre
atualizado
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Esqueça os consultórios médicos e os hospitais. No acompanhamento terapêutico (AT), o atendimento para questões de saúde mental acontece na casa do paciente ou mesmo ao ar livre, em parques ou uma caminhada pela rua. A ideia da prática é atender pessoas que, por algum motivo, não podem sair de casa, estão institucionalizadas ou não se sentem completamente à vontade em ambientes médicos tradicionais.
O acompanhamento terapêutico não tem público-alvo específico. É indicado para crianças, adultos ou idosos. Psicose, neuroses graves, depressão, compulsão, abuso de substâncias químicas estão entre alguns dos problemas contemplados por esta modalidade de terapia.
A técnica, contudo, não é indicada somente para quem está sofrendo com alguma doença. Também é benéfica para casos de indivíduos tímidos e que queiram fazer novas amizades, crianças com dificuldades na escola ou mesmo para pessoas incluídas no programa de proteção à testemunha, que precisam se adaptar a uma nova realidade, por exemplo.
Em Brasília, um dos projetos que realiza esse tipo de trabalho é encabeçado por Ricardo Vasquez Mota, psicólogo e professor do curso de Psicologia e Serviço Social do Centro Universitário IESB. Desde 2017, Ricardo coordena um curso de extensão sobre o tema. De acordo com ele, o acompanhamento terapêutico já é bastante popular em São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e na Argentina.
Thiago Petra Campos, psicólogo e professor de Plantão Psicológico na Universidade Paulista (Unip), explica que o trabalho funciona como uma espécie de escuta emergencial, como ocorre no Centro de Valorização da Vida (CVV). A diferença é que o atendimento acontece ao vivo. “Hoje temos cerca de 60 estagiários que atendem nos Centros de Atenção Psicossocial no Paranoá, Taguatinga e Riacho Fundo”, completa. A maioria dos pacientes, segundo Thiago, mora no Plano Piloto e recebe apoio em casa.
Um dos grandes diferenciais do procedimento, de acordo com Thiago, é escapar do espaço controlado dos consultórios, facilitando a abordagem de assuntos delicados para o paciente. “No consultório, a escuta é muito voltada para técnicas de interpretação e conceitos, como se o paciente fosse um objeto de análise”, comenta. “Saindo dali, a gente amplia o campo do afeto, da escuta e do vínculo”. Na pandemia, os encontros têm seguido as regras de segurança necessárias para evitar a contaminação.
Como funciona o tratamento
O atendimento começa sempre com uma entrevista, feita por um psicólogo ou psiquiatra, que envolve o paciente e sua rede de apoio. Depois, a pessoa é encaminhada a um acompanhante terapêutico (também chamado de “amigo qualificado”), um voluntário que realizará o trabalho de escuta e acolhimento do paciente. “A função do acompanhante é resgatar o paciente de casa, fazer com que ele tenha circulação fora do meio no qual está restrito”, detalha o psicólogo Ricardo Vasquez. “A ideia é que ele volte à sociedade.”
As trocas entre o acompanhante terapêutico e o paciente são “intermediadas pela cidade”, explica o psicólogo Thiago Petra Campos. A ideia é unir a escuta ao ato de caminhar, para que a pessoa atendida entre em contato com o mundo exterior.
Andar pela cidade pode revelar detalhes importantes sobre os pacientes que, dificilmente, seriam conhecidos em uma consulta psicológica convencional. Pessoas com histórico de abuso de substâncias químicas, por exemplo, podem mostrar para os acompanhantes onde o uso de drogas acontecia.
Demetrius França, doutor em psicologia e autor de dois livros sobre acompanhamento terapêutico, explica que a prática teve origem no fim dos anos 1970, quando o movimento antimanicomial brasileiro alcançou avanços na briga contra a internação de pacientes em hospitais. “As pessoas iam para o hospital e não se acostumavam mais à sociedade. Algumas nem mesmo voltavam para casa”, detalha.
O acompanhamento terapêutico surgiu, então, como uma alternativa para realizar o tratamento psiquiátrico sem a necessidade de hospitalizar o paciente. Desde que se tornou um acompanhante, em 2008, Demetrius conta que já presenciou resultados importantes. “Tive uma paciente que, em vez de falar, latia e emitia sons de animais. Após dois anos de tratamento, ela conseguiu voltar a falar. Quando falamos em saúde mental, estamos falando de avanços pequenos.” Em apenas um mês, outra paciente, que estava sem falar uma palavra há uma década, voltou a se comunicar.
No Distrito Federal, o acompanhamento terapêutico é oferecido na rede pública de saúde e em algumas clínicas particulares.