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“A população de rua reproduz a sociedade”, diz padre após receber ameaça

Em entrevista ao Metrópoles, padre Júlio Lancelotti conta que pessoas marginalizadas estão informadas sobre a pandemia de Covid-19

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padre julio lancellotti
1 de 1 padre julio lancellotti - Foto: Reprodução

Acompanhando e convivendo há 40 anos com a população de rua, o padre Júlio Lancelotti, de São Paulo, se viu no centro de uma corrente nacional de apoio após denunciar as ameaças que vem sofrendo depois de ataques de um candidato à prefeitura da capital paulista. Aos 71 anos, o padre sai de casa todos os dias, devidamente aparamentado com toda a proteção preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para estar perto das pessoas que ajuda. “Não é trabalho, é convivência”, diz.

Em entrevista ao Metrópoles, ele conta que sempre conviveu com populações marginalizadas, adolescentes privados de liberdade, homens e mulheres encarcerados, e as pessoas que estão pelas ruas. Quando começou, a cidade de São Paulo tinha menos de 5 mil pessoas em situação de rua – hoje, são mais de 30 mil.

No início da pandemia de coronavírus, apesar de fazer parte do grupo de risco, padre Júlio decidiu continuar ajudando quem precisa. “Não podia interromper. Até agora, já fiz três exames e nenhum deu reagente. Estamos todos sujeitos a pegar a doença. Não é ter medo, é ter cuidado”, explica.

O cuidado agora é redobrado depois que foi ameaçado por um motoqueiro enquanto estava atendendo pessoas de rua no centro comunitário. Em vídeo publicado nas redes sociais para divulgar a situação, o religioso diz que, se algo acontecer com ele, “vocês sabem de quem cobrar”. O ataque aconteceu depois de o deputado estadual Arthur do Val (Patriota), candidato à prefeitura da capital paulista, afirmar que o padre seria um “cafetão da miséria”.

“Minha rotina não mudou depois disso, mas tomo mais cuidado, fico mais atento às movimentações. Mas continuo vivendo e vivenciando as ruas da mesma maneira”, explica.

De acordo com o padre Júlio, a Pastoral do Povo da Rua, entidade da qual é coordenador, não faz a contabilidade, mas atende cerca de 500 pessoas por dia. Segundo ele, a população nessa situação está sabendo sobre a pandemia de Covid-19 da mesma maneira que o resto da sociedade. “Eles têm as mesmas informações, ouvem o mesmo noticiário. Sabem que estamos vivendo uma pandemia. A população de rua reproduz a sociedade. Algumas pessoas negam o coronavírus, outros sentem medo, há casos de sofrimento mental. Temos até terraplanistas nas ruas. Eles não são extraterrestres, eles vivem a nossa cultura”, explica.

Todos os dias, são oferecidos alimento, vestuário, materiais de higiene pessoal. Mas o padre diz não ser um “distribuidor de comida”. Tudo o que é oferecido serve como instrumento de aproximação, são maneiras de externar cuidado e carinho.

Assim, ele segue a luta para que essa população vulnerável tenha autonomia e acesso a uma vida mais humanizada, água potável, respostas aos problemas de saúde, trabalho e moradia. “Não sou um expansionista. Quero uma universalização dos direitos. Para lutar, preciso conviver”, afirma.

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