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“A pandemia foi naturalizada”, diz Margareth Portela, da Fiocruz

Em entrevista ao Metrópoles, pesquisadora do Observatório Covid-19 afirma que população precisa se dar conta da gravidade da situação

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Margareth Portela/Arquivo pessoal
Margareth Portela - Fiocruz 03
1 de 1 Margareth Portela - Fiocruz 03 - Foto: Margareth Portela/Arquivo pessoal

“Faltou enfrentamento e coordenação nacional”, afirma Margareth Portela, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), sobre a situação extremamente crítica das taxas de ocupação dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTIs) Covid-19 no país.

Margareth é uma das responsáveis pelo monitoramento Observatório Covid-19 que, em edição extraordinária, mostrou que 25 dos 27 estados brasileiros estão com taxas de ocupação de leitos de UTI superiores a 80%.

Com pós-doutorado em políticas e administração em saúde, ela não tem dúvidas de que este é o pior momento da pandemia. “Não é só a questão da ocupação de leitos de UTI. Os outros indicadores nos apontam para uma situação preocupante de crescimento. Mesmo lá atrás, nós nunca tivemos no Brasil uma situação com mais de 1.900 mortes em um único dia”, afirma.

Em entrevista ao Metrópoles, a pesquisadora defendeu que a sociedade e os três níveis do governo façam um pacto urgente para frear a pandemia, adotando medidas sérias de restrição à circulação. Também insistiu que o país deve acelerar o ritmo de vacinação. Ela foi categórica ao afirmar que o problema das UTIs é apenas a ponta do iceberg. “Não adianta só resolver o problema no final da linha. Ele tem que ser resolvido no início. Nós temos que trabalhar para barrar a pandemia”.

Nós estamos caminhando para o colapso da saúde no Brasil?
Em alguns estados nós já estamos no colapso. A epidemia está completamente alastrada no Brasil. Praticamente todos os estados estão com taxas de ocupação de leitos de UTI muito altas. Essa situação não é exclusiva do setor público. Vemos hospitais privados com taxas de ocupação superiores a 100% porque estão fazendo esforços para adaptar outros leitos para o atendimento da Covid-19. É importante destacar que um paciente que precisa de um leito de UTI não tem outras alternativas. Ele dificilmente vai sobreviver se não tiver acesso a esse recurso.

A que se deve o  aumento expressivo de casos de Covid-19 em todo o país?
Faltou enfrentamento e coordenação nacional. Eu tenho a sensação de que estamos cansados de medidas que, na realidade, nunca adotamos rigidamente. Nós nunca tivemos a redução de circulação de pessoas a um nível desejável. Ainda tem muita gente que não usa máscara. Além disso, as pessoas foram voltando a sair de casa. E temos novas variantes em circulação, com dados que mostram que algumas têm o poder de contágio maior. Isso tudo repercute no quadro que temos hoje.

A gente tem que fazer um pacto entre sociedade e governo – nos três níveis dele – para interromper a Covid-19. Convencer as pessoas de que não dá pra ir para a esquina para tomar cerveja e ficar em um bar lotado, como tem acontecido, ou ir ao shopping center.

Como a ocupação de leitos de UTI é interpretada no monitoramento?
Esse indicador é só a ponta do iceberg. A gente precisa de muitos leitos de UTI porque temos muitos casos. As estimativas mostram que apenas 5% dos pacientes com Covid-19 precisam de cuidados mais complexos.

Abrir mais leitos de UTI é a solução?
Abrir novos leitos de UTI significa disponibilizar recursos complexos. Eles são caros, exigem equipamentos específicos e equipes qualificadas para o atendimento. Vontade política e recursos não são suficientes para resolver o problema, principalmente do jeito que se está no país. A gente viu na primeira onda, especialmente entre abril e maio, que certas coisas não são possíveis efetivamente. Muitos leitos sequer saíram do papel e hospitais de campanha não funcionaram em sua totalidade.

Antes de ter leitos de UTI, você precisa garantir a atenção primária, ter leitos normais, porque uma parte dos pacientes não vai precisar de cuidados intensivos.

Aderir ao lockdown é a saída para controlar a pandemia?
A gente tem que investir mais nas medidas de controle e o lockdown precisa sim ser considerado. Mas é uma medida extrema, que tem que ser analisada regionalmente, pois cada localidade tem suas particularidades. Essa é uma palavra que ficou quase proibida no Brasil, mas ainda é uma alternativa importante em uma situação muito crítica na qual todos os indicadores estão críticos.

As medidas mais restritivas foram tomadas tardiamente?
Neste momento, eu não consigo visualizar onde tem um lockdown de fato no Brasil. A circulação de pessoas nas capitais está quase no mesmo nível de antes da pandemia.

A gente ainda tem muito o que fazer. É inimaginável termos esse número de mortes diárias, com a perspectiva de chegar a 3 mil óbitos em 24 horas. É assustador e estamos convivendo com isso de uma forma muito naturalizada.

Em quanto tempo vamos perceber efetivamente os resultados das medidas restritivas adotadas nas últimas semanas?
Se estivéssemos realmente seguindo medidas mais rigorosas – com as pessoas dentro de casa, tomando todos os cuidados –, provavelmente em 15 dias reduziríamos a incidência de casos porque existe um delay entre a infecção, os sintomas e as hospitalizações.

Mas as pessoas estão esperando o resultado de um processo que não está sendo feito adequadamente. Assim como na medicina, se você diz que fez um processo, mas ele não foi feito do jeito certo, não adianta, não vai ter resultado. Já era para estarmos em uma situação mais tranquila com a Covid-19.

O Brasil soube fazer lockdown na primeira onda da pandemia?
No ano passado, nós chegamos a ter alguma coisa próxima ao lockdown, mas nunca de fato com uma redução de circulação a níveis desejáveis, com menos de 40%. Naquela época, por exemplo, em vez de as empresas de ônibus e trens manterem sua frota para a parte da população que precisava trabalhar circular menos aglomerada, elas diminuíram os horários. Precisa haver fiscalização.

Os casos de hoje são reflexo de quanto tempo atrás?
Nós tivemos as eleições com muita movimentação nas ruas – muito mais do que se poderia ter –, tivemos os shoppings lotados no final do ano, festas, e depois o Carnaval que, por mais que não tenha acontecido oficialmente, muitos grupos fizeram Carnaval.

Qual é a sua avaliação sobre a vacinação no país?
Eu sou muito otimista com relação à vacinação, mas ela está mais lenta do que gostaríamos que estivesse. Faltou planejamento do governo federal de fazer contratos de compra lá atrás, no momento em que já se sabia que haveria concorrência internacional pelos recursos. Agora todos os esforços devem ser feitos para que a gente consiga tirar esse atraso. Nós temos que agradecer ao Instituto Butantan e à Fiocruz por terem buscado vacinas por ações institucionais.

O que deve ser levado em consideração na hora de afrouxar as medidas restritivas novamente?
Olhar um conjunto de indicadores como a redução da mortalidade, a ocupação dos leitos de UTI e a vacinação maciça.

O Brasil está cansado da Covid-19?
Os profissionais de saúde que estão no front estão exaustos, em uma situação dramática. Eu tenho relatos de amigos experientes que precisam fazer escolhas difíceis na UTI ou então colocar os pacientes em uma situação improvisada para salvá-los, mas sabendo que talvez aquilo não será o suficiente. Tudo isso gera um sofrimento muito grande para os profissionais.

Como sociedade, estamos cansados das medidas que precisam ser preservadas. Eu sei que é duro porque o lazer também é muito importante, principalmente para a saúde mental das pessoas, mas precisamos abraçar mais seriamente as medidas de controle.

Não é fácil. Estamos todos muito cansados. Faz um ano que eu estou em casa, completamente fora da rotina, com saudade dos meus colegas de trabalho, de poder viajar. Isso é geral e vai gerando um sofrimento nas famílias, nas crianças. Mas temos que ter cuidado. Não imaginávamos chegar nesse ponto um ano depois.

Saiba como o coronavírus ataca o corpo humano:

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