Por que a Casa do Porco está entre os melhores restaurantes do mundo?
Localizado no centro de São Paulo, o empreendimento dos chefs Jefferson e Janaína Rueda serve amor pela carne suína e a gastronomia
atualizado
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Quem diria que o porco seria cool? Na minha época de escola, costumava ler nos livros e ouvir os professores falarem que este animal poderia prejudicar, e muito, a nossa saúde. O mais engraçado é que, apesar do terrorismo, jamais consegui resistir ao cheirinho da bisteca que a minha mãe fazia naquele tempo. Temperadinha com limão, ela me conduzia até a cozinha e me fazia aguar. E não demorava 10 minutos para ser totalmente devorada. O ossinho, eu deixava para roer por último, como que querendo prolongar ao máximo aquele sabor no meu paladar.
Lá se foram mais de 30 anos para ver o porco virar um alimento valorizado e amado, e poder acompanhar como criadores responsáveis se dedicam a garantir saudabilidade ao animal. A carne suína já ganhou festivais em sua homenagem, mas nada se compara ao primeiro restaurante do país a celebrar de fato a sua importância, e que acaba de levar o título 17º melhor do mundo. A concorrida competição do 50thBest, cujo resultado foi anunciado nesta terça-feira (5/10), não é para qualquer um e A Casa do Porco mostrou, novamente, que dá para ganhar reconhecimento internacional e, ao mesmo tempo ser autêntica, inclusiva, ter propósito e fazer justiça a este ingrediente por muito renegado.
“É uma honra estar nesta lista ao lado de grandes chefs do mundo. Penso que esse prêmio é para todo o Brasil, para todos os cozinheiros e restaurantes do nosso país, que representam tão bem a nossa gastronomia. E espero que tão logo a gente possa ter mais brasileiros entre os 50 melhores do mundo”, afirmou Jefferson Rueda após a premiação.
Mas o que este restaurante tem para chegar a esta honraria? Tem amor. Dá para ver de longe, fuçando as matérias de gente especializada ou passando pelas mídias sociais ligadas a ele. Todavia, se me permite um conselho, vá até ao Centro de São Paulo para sentir na boca essa paixão que Jefferson Rueda nutre pela carne suína, paixão esta que tem a ver com a sua origem caipira.
Do focinho ao rabo. Este foi o lema adotado por ele quando abriu a casa, em 2015. Aproveitar não somente as partes tidas como nobres do animal, mas também aquilo que, em geral, era desprezado, se tornou a sua religião e o impulso para conquistar o paladar de moradores e visitantes de São Paulo. Estes lotam a casa diariamente e pontualmente ao meio-dia.
Jeffim, como é conhecido no meio gastronômico, ousou servir a carne de porco curada por sete dias em forma de tartar com tutano (R$ 38). Também fatiou a papada, bezuntou com tucupi preto e a levou à mesa em cima de um bolinho de shari, o arroz do sushi (R$ 38). Para os nacos de pancetta ele arrumou o par perfeito: a goiabada cremosa (R$ 45). Ela vem ainda com um picles de cebola para garantir a harmonia deste relacionamento. Se aí não tem amor no trato do ingrediente, eu tô bem por fora do que seja bom nesta vida.
“Ah, mas eu não como essas coisas aí”. Tem importância nenhuma. O menu traz carbonara, o prato italiano que é tão popular para nós, tem guanciale feito na casa, e ovos caipiras, é claro. Se esta opção também não te agradou, então peça o Porco Sanzé (R$ 69), versão do prato típico de São José do Rio Pardo, cidade natal de Jeffim, que é a causa da criação do restaurante. Para prepará-lo, o chef desenvolveu uma churrasqueira que pudesse receber o animal aberto e assá-lo por pelo menos seis horas em fogo controlado. O resultado é uma carne tenra, macia, com a pele trincando de crocante. Para acompanhar, o comensal recebe à mesa o que foi colhido no sítio do casal Rueda nos últimos dias.
Sim, a cozinha do chef Rueda, além de deliciosa, é sazonal. No pedaço de terra a 250km da capital paulista, ele planta com a mulher Janaína, também cozinheira de sucesso com o seu Bar da Dona Onça, o sonho de uma propriedade sustentável, que possa abastecer o restaurante com o que a terra dá, e fazer seus cozinheiros entenderem de onde vem o que chega na cozinha. Os porcos, no entanto, não são criados ali, mas bem perto, com a consultoria de Rueda. Abatidos com mais idade e peso do que o normal, são criados à base de legumes e soro de leite, também de uma forma social e ecologicamente consciente.
Mais do que contar uma história genuína, A Casa do Porco é acessível, para mais uma vez contrariar o senso comum. Não tem toalhas à mesa, taças do mais puro cristal, garçons de terno e gravata. Mas tem preço justo para um restaurante premiado internacionalmente. Onde mais, hoje em dia, é possível provar um menu degustação de oito etapas e 21 bocados memoráveis, alguns deles já citados neste texto, por R$ 165? Em restaurantes de mesmo nível no Brasil, é possível encontrar menus por mais de R$ 500.
Devo dizer ainda que ir à Casa do Porco é um evento que começa cedo. Tente chegar por volta das 11h porque costuma encher, especialmente aos fins de semana. Mas vale cada minuto de uma eventual espera e cada centavo investido. Na primeira vez, eu até perdi o voo de volta para casa porque não queria me despedir daquela experiência sensorial incrível (tem vídeo desse dia lá no meu canal no YouTube). Então, coloque na agenda um aviso bem grande para se lembrar de ir ao restaurante quando estiver em São Paulo.
Para finalizar, devo dar parabéns e um muito obrigada ao porco, à casa dele e aos seus cozinheiros. Até breve!
Serviço:
A Casa do Porco
Rua Araújo, 124, Centro, São Paulo.
Funciona de segunda a sábado, das 12h às 23h; domingo, das 12 às 17h. Telefone: (11) 3258-2578
Veja menu completo aqui
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