Dom Francisco: a volta do mestre após o isolamento
Prestes a fazer 82 anos, chef Francisco Ansiliero conta como foi ficar em casa durante a pandemia e como é voltar à ativa depois de 18 meses
atualizado
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Em meados de março de 2020, a rotina diária do chef Francisco Ansiliero foi interrompida. Como sempre, ele acordou às 5h da manhã e foi ao Ceasa escolher os melhores vegetais para colocar à mesa dos clientes do Dom Francisco. Abastecimento organizado na cozinha, normalmente ele iria para casa e voltaria poucas horas depois para iniciar o atendimento no restaurante. Mas a ameaça da Covid-19 mudou seus planos.
Aos 81 anos, o ativo cozinheiro foi convencido de que era primordial se afastar do trabalho. De um dia para o outro, ele teria de ficar “guardadinho” em casa. “O meu departamento feminino me impôs as restrições da quarentena. Mas a gente pensava que seriam 90 dias”, brinca ele, que ficou isolado até três semanas atrás com Dona Carmélia, sua esposa, no apartamento da família, na Asa Sul.
Para dar conforto e segurança aos pais, cada uma das três filhas se colocou numa função. Giuliana, que já era seu braço direito na empresa, assumiu mais tarefas administrativas. Graziela, por sua vez, seria a responsável pelo cuidado com os pais. Já Gigliola daria suporte para as outras duas.
Segundo Francisco, a adaptação à nova realidade foi difícil. “Desde os meus 15 anos, durmo no máximo às 23h e acordo às 5h30. Isso não mudou na pandemia, mas foi preciso paciência. Levanto, tomo banho, faço a barba, faço o meu café expresso, estudo, leio a Bíblia”, revela.
Paixão felina
O tempo livre também permitiu com que Francisco desenvolvesse uma relação muito bonita com outro membro antigo da família, a gata Tetê. “Ele não gostava dela, foi contra adotá-la. Como é o primeiro a acordar e ficava em casa, ela passou a contar com ele para abrir a porta da cozinha, para alimentá-la. Agora a gata é dele e ele é da gata. Isso até gerou um certo ciúme na minha mãe e irmã”, conta Giuliana Ansiliero.
“Aprendi a gostar dela. Foi uma das maneiras de gastar o tempo, de dar e receber carinho. Às vezes, estou fazendo exercício no colchonete e ela vem acariciar a minha cabeça. Quando ela começou a me ‘paquerar’, passou a ter mais atenção”, diz o chef.
Aprendizados
Para aproveitar o tempo e se manter ativo, Francisco incluiu na rotina a atividade física e leituras sobre gastronomia. “Estudei sobre as tendências do momento e passei também a selecionar pratos e cozinhá-los em casa. Fiz um giro sobre as 40 cozinhas do mundo, mas sem grandes aprofundamentos, porque não pretendo mudar o estilo da comida do meu restaurante”, conta o chef.
Ele afirma que o grande ganho de conhecimento adquirido durante a pandemia foi a percepção sobre a universalidade do sabor. “Toda cozinha é vira-lata, não tem pedigree. Todas aceitam mudança e produtos novos, fazem adaptações, modernizam pratos antigos, pegam um prato de outra cultura que lembra um seu e criam um outro. Revivi momentos de viagens e de pratos que provei durante a vida, fiz um estudo do sofrito, o refogado de cebola e temperos que serve de base para pratos de diversos países”, afirma Ansiliero.
Outro ganho foi aprofundar o conhecimento sobre o delivery. Para o chef, Brasília ganhou muito mais opções e se reinventou, com novas formas de preparar a comida e de entregá-la ao cliente. “Percorri muitos menus da cidade e pedia até mesmo do meu restaurante para saber se estava sendo entregue ao cliente com o padrão necessário. Isso foi muito bom, porque eu precisava fazer algo. Sempre dormi pouco. De repente, se eu dormisse mais e não fizesse nada, iria me sentir um trambolho. Foi bom para descansar a mente”, recorda.
A volta
O retorno de um dos chef mais admirados da cidade ao seu restaurante aconteceu há cerca de três semanas. Embora esteja imunizado e indo à unidade da Asbac com frequência, a costumeira visita às mesas dos clientes para verificar o serviço ainda encontra-se suspensa. Nos bastidores, Francisco confere os pratos que saem e também se dedica a atividades administrativas, de compras e de escolha de novos fornecedores, uma especialidade dele, por sinal. A visita ao Ceasa, antes feita diariamente, também está descontinuada por enquanto.
Mas não é preciso se preocupar. A casa está operando com a mesma excelência de sempre. O bacalhau assado na brasa (R$ 147) continua suculento e despetalando. Já a picanha (R$ 98) agora vem da Argentina e tem uma maciez acima da média. Para isso, tem de ficar vermelha por dentro. “Nenhuma carne presta, se passar do ponto para mal. Desculpe, mas eu sou irredutível quanto a isso”, analisa Francisco Ansiliero.
Como acompanhamento vale pedir o palmito na manteiga (R$ 38) para complementar a famosa farofa de ovos, que a gente não encontra em outro lugar, e o arroz de brócolis, soltinho e saboroso. Regando com um dos azeites garimpados pelo chef fica melhor ainda. Guarde espaço no estômago para finalizar a refeição com a torta de castanha do Pará, criação de Dona Carmélia, que sofreu alterações durante a pandemia e agora está bem mais molhadinha e gostosa. Bom apetite!
P.S.: 10 de setembro é o aniversário de Francisco. Vão aqui os meus parabéns e o desejo de que o próximo ano seja de alegrias e mais conquistas. E que a gata Tetê não fique com ciúmes.
Para mais dicas de onde comer bem, siga-me no Instagram (@lucianabarbo).
Serviço:
Dom Francisco Asbac (SCES, Trecho 2)
Telefone: (61) 3226-2005
Funciona de segunda a quintas, das 12h à 0h; sexta e sábado, das 12h à 1h; domingo, das 12h às 17h.
www.domfrancisco.com.br