metropoles.com

Como o vinho de Bordeaux influenciou a criação da Coca-Cola

Na coluna de hoje, relembro a história que deu origem a Coca-Cola

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Redes sociais
coca-cola-4673884_1280
1 de 1 coca-cola-4673884_1280 - Foto: Redes sociais

Esta é uma daquelas histórias que só a realidade poderia criar. Seus personagens principais: dois Papas; um químico alemão e outro italiano; um farmacêutico italiano; reis e rainhas; presidentes; artistas; escritores e intelectuais. E, representando o Brasil, Santos Dumont. Tudo começa em 1863 quando foi criado, pelo farmacêutico Angelo Mariani, o Vin Tonique Mariani à la Coca de Peroum, que ficou famoso como Vin Mariani, elaborado com vinho Bordeaux e folhas de coca.

Mas, antes de contar o que aconteceu, vamos voltar um pouco ao passado, primeiro há três anos antes, em 1860, quando o químico alemão Albert Niemann isolou o componente ativo das folhas de coca. Logo, diversas propriedades terapêuticas foram atribuídas à cocaína.

Agora, um mergulho mais profundo no passado, na região que hoje é o Peru, onde, desde há 4500 anos os habitantes mascam a folha de coca por seu efeito estimulante, facilitando a respiração na altitude e por aliviar as dores musculares. O que foi logo observado pelos invasores espanhóis que lá chegaram no século XVI.

Mas o que chamou atenção de Angelo Mariani para a cocaína foi a leitura de um artigo sobre as pesquisas do cientista italiano Paulo Mantegazza, que havia gostado do produto que declarava: “Prefiro ter uma vida útil de dez anos com coca do que 10.000.000.000.000.000.000.000.000 de séculos sem coca”.

Mariani viu que aquilo dava negócio e descobriu que misturando folhas de coca trituradas ao vinho Bordeaux tinto, o álcool, diluía e ativava a substância, resultando em um “tônico” que, enriquecido com conhaque e adoçado, tinha uma proporção de 150 miligramas de cocaína para cada garrafa de 750ml. E este foi o primeiro produto de cocaína não medicinal lançado no mercado.

“As múmias se levantam e andam quando tomam um copo de Vin Mariani.”

Foto: Reprodução

O Vin Mariani foi divulgado como sendo um “tônico medicinal” do tipo “cura tudo”, abrindo o apetite e facilitando a digestão, renovando, revigorando, nutrindo, fortalecendo e trazendo de volta a energia perdida. Ainda combatia a fraqueza e era uma “vacina” para evitar diversas doenças, além de ser um analgésico poderoso. Era um antidepressivo tão eficaz que ficou conhecido como o “Vinho da Alegria”.

Foto: Reprodução

Era recomendado para ser consumido, antes ou depois das refeições, mas com moderação. Apenas três taças por dia (não localizei a informação sobre o tamanho da taça). As crianças não poderiam ficar sem acesso a um produto desta qualidade e para elas bastaria reduzir a dose pela metade.

O que ninguém sabia é que esta mistura de álcool e cocaína gera uma reação metabólica no fígado, produzindo o cocaetileno, que é um psicoativo mais poderoso e tóxico do que apenas cocaína ou álcool. Assim, ao beber o vinho de coca, na realidade se consumiam três drogas que induziam à euforia.

“Nunca algo foi tão elogiado de maneira tão alta ou justa.”

Ficou fácil de entender porque o Vin Mariani tinha tantos fãs. Logo, ele passou a ser vendido por toda a Europa e EUA, e se tornou a bebida favorita do Vaticano, nos períodos dos Papas Pio X e Leão XIII.

Consta que o Papa Leão XIII nunca se afastava de um frasco cheio de Vin Mariani, o considerava “saudável, forte, energético e vital”, e o utilizava para se fortalecer “quando a oração era insuficiente”. Gostava tanto que deu uma medalha de honra do Vaticano ao seu criador o declarando como “benfeitor da humanidade”. O mais pitoresco é que o Papa foi parar em um dos anúncios do vinho.

Foto: Reprodução

“Torna os homens mais corajosos e enche as damas de vivacidade e charme.”

É provável que Mariani tenha criado a primeira campanha de marketing utilizando os depoimentos de celebridades, com seus retratos e biografias. Da nobreza, contribuíram o príncipe de Gales, a Rainha Vitória, o Czar e a Czarina da Rússia, os reis da Noruega e da Suécia. Autores como Alexandre Dumas, Jules Verne, Henrik Ibsen, Émile Zola também contribuíram. Nos EUA, o presidente McKinley se entusiasmou com o vinho, assim como o inventor Thomas Edison e o general Ulysses S. Grant, comandante do Exército Nortista na Guerra Civil.

Santos Dumont declarava que para que seus aeróstatos funcionassem, dois líquidos eram necessários, a essência do “petroleum”, a gasolina, para a energia do motor e, para a energia humana, o Vin Mariani, a quinta essência da qualidade.

Como se não bastasse, o vinho foi aprovado como terapêutico por mais de 8 mil médicos. Um volume de notícias médicas de 1890 confirma que “nenhuma preparação médica reconhecida recebeu um endosso mais forte nas mãos da profissão médica”.

Logo, começaram a surgir imitações para concorrer com o Vin Mariani, e a tática era colocar mais coca ainda na fórmula.

Nos EUA, um dos plagiadores foi um farmacêutico da cidade de Atlanta, o Coronel John Smyth Pemberton, viciado em morfina, como consequência do tratamento de um ferimento recebido durante a Guerra Civil. Ele rapidamente se tornou um apreciador do vinho batizado com coca e em 1885, em Columbus, na Geórgia, lançou um para chamar de seu, o “Pemberton’s French Wine Coca” na esperança que este “tônico cerebral” o ajudasse a superar seu vício. O diferencial do seu vinho foi o de adicionar à fórmula o extrato de noz-de-cola africana, que é uma potente fonte de cafeína.

Mas, várias proibições foram surgindo nos EUA. Primeiro com a Lei de Alimentos e Drogas Puras de 1906. A cocaína ainda continuou sendo utilizada por algum tempo, mas logo se constatou que se tratava de uma substância extremamente perigosa e sua comercialização foi proibida. E tudo acabou desembocando, em 1920, na Lei Seca com a proibição completa do consumo de álcool.

Neste meio tempo, caíram drasticamente as vendas do Vin Mariani original. Com a Lei Fiscal de Narcótico, o produto parou de ser comercializado oficialmente nos EUA. A produção na Europa cessou completamente após a morte de Angelo Mariani, em 1914, quando a fórmula original também foi perdida.

Já Pemberton reformulou sua bebida, retirou o álcool, substituindo o vinho por um xarope, passou a utilizar folhas de coca descocainadas, colocou gás, engarrafou e, assim, criou a Coca-Cola.

Em 2014, Christophe Mariani aproveitou o sobrenome e lançou uma nova versão do Vin Mariani. Segundo ele, baseado em análises de amostras que chegaram até os dias de hoje. Também utilizou um Bordeaux tinto, que é fortificado a 22° (acréscimo de álcool vínico) e adoçado, e ela, a estrela principal não podia faltar, folhas de coca descocainadas. Não fez tanto sucesso assim.

Compartilhar notícia

Quais assuntos você deseja receber?

sino

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

sino

Mais opções no Google Chrome

2.

sino

Configurações

3.

Configurações do site

4.

sino

Notificações

5.

sino

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comNotícias Gerais

Você quer ficar por dentro das notícias mais importantes e receber notificações em tempo real?