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Vídeo: voto memorável da filha de Rubens Paiva contra fim da comissão

Vera Paiva e Diva Santana, vencidas, têm parentes vítimas da ditadura: “assumam, sem nossa cumplicidade, como querem entrar na história”

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Evandro Éboli – Metrópoles
Busto de Rubens Paiva
1 de 1 Busto de Rubens Paiva - Foto: Evandro Éboli – Metrópoles

Na reunião que colocou fim aos trabalhos da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, na quinta-feira passada, as duas integrantes desse colegiado com parentes que foram vítimas dos militares, presos e mortos, reagiram à ação do governo Bolsonaro em acabar com esse trabalho.

O Blog do Noblat teve acesso ao vídeo da reunião, que durou três horas. Por 4 a 3, os conselheiros aliados do governo decidiram encerrar a comissão, que funciona desde 1995, instalada no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

O blog havia pedido antes ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos a íntegra da sessão, mas foi negado. Só enviaram, “por hora”, um trecho com a fala do presidente, Marco Vinícius Carvalho, em defesa da extinção.

Vera Paiva – filha do ex-deputado Rubens Paiva, que foi morto pelos militares e seu corpo nunca foi encontrado – e Diva Santana – irmã de Dinaelza Santana, que desapareceu durante a Guerrilha do Araguaia – rebateram os argumentos pelo fim da comissão. O procurador Ivan Marx foi o terceiro voto contrário.

Os bolsonaristas da comissão usaram o argumento de que se gastou muito dinheiro até hoje – R$ 36 milhões atualizados, calcularam -, para pouco resultado nas buscas por restos mortais, que não há mais caso há ser julgado e que, depois de tanto tempo, é difícil mesmo encontrar ossadas.

Os três que votaram contra defendem, ao contrário, que há muito que se fazer ainda, há uma sentença judicial a ser cumprida e que as Forças Armadas ainda devem esclarecimentos sobre os destinos dos corpos e as circunstâncias de suas mortes.

Vera Paiva fez um voto contundente e que lembrou o que ocorreu com seu pai e atacou o presidente Bolsonaro. Ela e Diva Santana pediram que excluam seus nomes do relatório final. Vera se dirigiu aos quatro conselheiros que votaram a favor do fim da comissão:

“Assumam, sem nossa cumplicidade, o modo como querem os presentes entrar para a história. Vocês estão entrando para a história assim. Isso eu queria ressaltar” – disse Vera Paiva, que afirmou ser um desejo de Bolsonaro encerrar essa comissão no apagar das luzes de seu governo. Veja o vídeo.

 

“Para que a pressa? Para uma demanda de Bolsonaro, que tinha na porta de seu gabinete, e tive o desprazer de passar lá na frente, um cartaz com ‘quem procura osso é cachorro’. Na única homenagem ao meu pai, um busto no Congresso, ele o único congressista morto e desaparecido, vivemos o desrespeito profundo de um deputado (Bolsonaro) que passou por lá na inauguração, vaiou e simulou um cuspe” – disse a filha de Rubens Paiva. O busto é o lugar onde a família cultua sua memória.

“Não temos um túmulo para fazer isso”.

Os quatro integrantes que votaram pelo fim da comissão foram: o presidente Marco Vinicius Carvalho, indicado por Damares Alves, sua amiga, desde o início do governo; o deputado federal Filipe Barros (PL-PR); o militar Jorge Luiz Mendes de Assis, representante do Ministério da Defesa; e o advogado Paulo Fernando Mello.

Diva Santana discordou das razões do fim da comissão. Ela atua desde o início dos anos 1980 das buscas dos restos mortais de vítimas da ditadura na região da Guerrilha do Araguaia. Diva se emocionou várias vezes durante a sessão e reagiu aos argumentos dos governistas.

“A lei (que criou a comissão) não cumpriu seus objetivos e nem atendeu aos pedidos das famílias pela localização, identificação e circunstâncias das mortes dessas pessoas. É uma comissão de Estado, e não de governo. Vamos continuar exigindo da lei a localização de Rubens Paiva, Honestino Guimarães, Dinaelza, Mauricio Grabbois. Dentre tantos outros. Não nos calaremos” – declarou Diva na reunião, em que também se emocionou.

O perito Samuel Gomes Ferreira, coordenador científico da comissão e que atua há mais de vinte anos nesse trabalho de identificação, receia pelo fim do colegiado. Ele não é conselheiro, não teve voto, mas participou da reunião. Ele diz que o acordo feito com um laboratório internacional de ponta para identificação de restos mortais no Brasil corre riscos com o fim da comissão.

“Tenho uma grande preocupação. Quando essa carta-acordo foi assinada (com o laboratório) no corpo do documento quem assina é a comissão, que faz parte. Com a comissão extinta, não sei como o laboratório vai lidar. A extinção da comissão me preocupa muito” – disse Ferreira.

Ivan Marx diz que a lei é clara e que não foram envidados todos os esforço em busca dos corpos. E alertou que o não acatamento da decisão da juíza federal Solange Salgado para continuar as expedições pode gerar ação na Justiça.

“As possibilidades não foram esgotadas. Vai continuar a busca em Perus por mais um ano e meio. No Araguaia, não terminaram as buscas no cemitério. Tem que se aprofundar trabalhos de investigação, a formação do banco genético. O trabalho dessa comissão não se encerrou” – disse o procurador.

Diva falou sobre a dificuldade das buscas e a falta de cooperação dos militares.

“As Forças Armadas nunca nos disseram onde foram sepultados nossos parentes. Quem nos informa são tatoristas, ex-guias, que serviram sob tortura ao Exército. Alguns que prestaram esclarecimentos à comissão tiveram mortes inesperadas. Essas buscas irão continuar” – disse Diva.

“Lei não obriga encontrar os corpos”

O representante dos militares na comissão defendeu seu voto contra a comissão com o argumento que já se passaram 50 anos desses fatos e que tudo é “desfavorável” para a localização desses restos mortais.

“A lei fala em envidar esforços para localizar, e não diz que terá que encontrar os corpos. Não atribui essa obrigação. Todos esforços foram envidados e não se chegou a conclusão que todos gostariam que fosse. Há uma impossibilidade material” – disse Jorge Mendes.

“Nunca dissemos que seria fácil. Sabemos que não” – reagiu Vera Paiva.

O presidente da comissão diz que os trabalhos de busca não se encerrarão com o fim da comissão. Ele disse que a comissão “só dá gastos e não tem frutos”. Carvalho afirmou que as buscas determinadas pela Justiça, como caso do cemitério de Perus, em São Paulo, e no Araguaia, irão continuar.

“É uma falácia dizer que as buscas irão acabar. Está tudo no ambiente judicial. A ré é a União, e não a comissão. Uma coordenação irá continuar. O que fizemos aqui foi cumprir a lei. Não há mais requerimentos a serem apreciados. A busca continua independente da comissão” – afirmou.

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