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Um outro olhar para o coronelismo

Antropólogo refuta conceito do poder centralizador dos coronéis no Nordeste

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Sertão
1 de 1 Sertão - Foto: Isadora Teixeira/Metrópoles

Associamos o coronelismo a toda concentração de poder. A expressão exemplifica a influência política dos donos de terra no Nordeste na metade do século passado, e une Lira, Calheiros, Sarney, se espalhou para todas as análises políticas. Carmén Lúcia, essa semana, falou em “coronelismo digital” ao falar do poder das plataformas e empresas de tecnologia. O antropólogo Jorge Mattar Villela refuta a origem do conceito. Ao invés de um poder centralizador que domina o Estado, ele constrói a ideia de alianças temporárias de famílias, vinculadas a interesses políticos e vinganças.

O jurista Victor Nunes Leal foi quem divulgou a ideia em seu livro “Coronelismo, Enxada e Voto”, de 1948, em que relatou a relação e a influência dos grandes proprietários de terra com o poder público, trabalho e democracia – marcadamente nas eleições, com o voto de cabresto nos currais eleitorais, isto é, gente que sob seu domínio votava no candidato do “coroné”. Legal lembrar que o título militar foi dado aos fazendeiros que apoiaram as ações da Guarda Nacional contra as revoltas populares, entre a Regência e o início da República. A Guarda findou, ficou o prestígio.

Vilela considera uma explicação simplista acreditar no poder centralizado e exclusivista do coronel, do “soba”, do “chefete do baraço e do cutelo”, do “mandão de campanário”. Ele enxerga um poder descentralizado e baseado em alianças familiares temporárias alimentadas por interesses políticos e vinganças de sangue – e muitas vezes essas vinganças, que eram comuns, determinavam as celebrações ou rupturas desses acordos.

“Nas grandes brigas de famílias, havia gente capaz de arregimentar, ou atrair, vários microgrupos de base familiar formando bandos instáveis de mais de cem homens armados, voltados para o ataque a um inimigo”, explica no texto. O antropólogo define que a organização social e a política dessa região era estruturada por essas redes familiares, deixando o Estado em segundo plano.

Em um lugar em todo mundo vestia calça, camisa e um revólver ou espingarda, um “povo em armas”, com ele escreve, existiam altos níveis de autonomia nos conflitos. Como se poderia viver sob esse regime de submissão a um senhor de terras sem que houvesse um episódio de revolta?, pergunta. A gestão municipal ficava à margem ou era tragada por essas intrigas.

Ao invés do coronel, ele destaca o inspetor de quarteirão, um delegado que mantinha a ordem pública onde não havia quadros institucionais de segurança. Eram mediadores que “impediram que uma convivência de conflito iminente escapasse para o conflito permanente” costurando vínculos e resolvendo desavenças sob o manto da violência. Expulsava ladrões, combatia cangaceiros, silenciava embates entre vizinhos, com o auxílio de parentes para formar esse grupo.
Seu trabalho, um mergulho de 20 anos em mais de um século de história social e política, desembocou em três livros e está resumido no artigo A Antropologia do Sertão de Pernambuco. Pajeú e Navio, publicado na Revista de Antropologia da UFSCar.

Ao fazer uma ponte com a política atual, o pesquisador disse à Revista da Fapesp que “de uma certa forma, essas coisas acontecem em qualquer lugar. Podem acontecer, por exemplo, na avenida Faria Lima, em São Paulo. Um escritório lobista da Faria Lima também é power-user da democracia e da economia. Não é uma coisa de gente pobre periférica, é de gente que está colada à obtenção de recursos gerados no Estado nacional. A segmentaridade do voto, as complexas negociações intergrupais, as alianças familiares e locais continuam presentes, e dão o tom ao processo”, conclui.

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