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Sentença judicial que reconheceu Ustra como torturador irá virar livro

Escritor e pesquisador Pádua Fernandes irá contar história dessa decisão, que passou por três instâncias do Judiciário

atualizado

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Agência Brasil – Comissão Nacional da Verdade
Carlos Brilhante Ustra
1 de 1 Carlos Brilhante Ustra - Foto: Agência Brasil – Comissão Nacional da Verdade

Todo o julgamento da ação de uma família de vítimas da ditadura contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que chefiou o Doi-Codi de São Paulo durante a repressão, vai se transformar numa publicação.

A sentença que reconheceu Ustra como torturador irá virar livro. O autor é o escritor e pesquisador Pádua Fernandes, que conseguiu aprovar um projeto nesse sentido, uma obra de não-ficção pelo Programa de Ação Cultural, da Secretaria de Cultura paulista.

Ainda sem um título, o livro será lançado no segundo semestre deste ano. E irá narrar a ação da família de Amelinha Teles, presa e torturada nos porões do Doi sob o comando de Ustra, em todas as instâncias.

Fernandes está entrevistando pessoas que viveram aquele período. Não se tratará apenas da publicação pura e simples da sentença, nas três instâncias em que passou, até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2014.

Ao Blog do Noblat, Fernandes contou que a importância história desse julgamento não pode ser esquecida e precisa ser lembrada sempre, até por se tratar de uma rara decisão judicial nesse sentido, que reconhece um militar dos anos de chumbo como um torturador.

Pádua Fernandes atuou na Comissão Nacional da Verdade e também em outras comissões estaduais em São Paulo, com esse mesmo caráter, de recuperar essas histórias de violações de direitos humanos daquele período de exceção. Numa dessas comissões, o autor trabalhou com Maria Amélia de Almeida Teles, perseguida na ditadura, presa e torturada no Doi-Codi de Ustra, além de ser uma das autoras da ação.

No processo movido pela família Teles,  Ustra foi reconhecido como responsável pela tortura de Amelinha, de César Augusto Teles e Crimeia Schmidt de Almeida. A decisão em primeira instância se deu em 2008 e foi confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 2012. O recurso do militar foi negado pelo STJ em 2014.

A decisão do escritor em apresentar um projeto do livro tem relação também com a citação que Jair Bolsonaro fez de Ustra no impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, quando o então deputado enalteceu o ex-chefe do Doi-Codi. Naquela data, Ustra já tinha sido reconhecido pela justiça como torturador.

“E nenhum parlamentar se manifestou. Percebi que o caso não era conhecido, ou mal conhecido. Se tinha poucas informações sobre o caso” – disse Fernandes.

Para o livro, o autor não irá reproduzir a decisão judicial, mas contar a história da ação, seu conteúdo, utilizar material de arquivo e entrevistar quem de alguma maneira esteve próximo do coronel, caso dos presos políticos.

“Foram várias as denúncias contra o Ustra que os presos e familiares faziam já na década de 1970. Na década de 1980, a Bete Mendes, tem ainda material do Dops e tem muita prova. Muita gente já foi ouvida, na CNV. E até material que os próprios militares produziram, dos próprios órgãos de segurança demonstram o que ocorreu” – disse.

O culto a Ustra  durante o governo Bolsonaro – como estampas em camiseta, nome do declarado torturador em fachada de gabinete – foi outro motivador para Fernandes tomar a iniciativa de produzir o livro contando a história da sentença judicial.

“Um dos objetivos é derrubar esse negacionismo, de que Ustra não foi torturador, de que é um herói por parte da extrema direita” – diz.

“Vou contar isso de forma não técnica. Não é um livro técnico, dedicado com exclusividade para advogados. Vou centrar no que aconteceu, no aspecto político, a repercussão das decisões ao longo do tempo, em diversas instâncias, desde 2008 (ano da primeira decisão contra Ustra), que serviram de base para relatórios das comissões da verdade”.

Pádua Fernandes:

Pádua Fernandes
Escritor Pádua Fernandes

O voto do ministro do STJ

No trabalho do autor, irá citar trechos da decisão do ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no STJ, que reverteu manifestações favoráveis aos argumentos do ex-chefe do Doi-Codi naquela corte.

“As vítimas e familiares, no entanto, têm plena legitimidade e interesse em responsabilizar o indivíduo que figurou como torturador, mediante o reconhecimento perene pelo Estado, através de um de seus poderes instituídos, o Poder Judiciário, da efetiva existência dos fatos e da responsabilidade dos envolvidos” – se manifestou Sanseverino, acompanhado de outros dois ministros.

Sanseverino também anotou no seu voto:

“Com apoio no direito à memória, à reconstrução histórica do período ditatorial com base na verdade dos fatos e direitos violados, ao aprendizado com os erros do passado (para prevenir violação de direitos humanos e assegurar sua não repetição), à co-responsabilidade que possui o Estado em face dos atos dos seus agentes, cumpre ao ente político explicitar tudo o quanto possível acerca dos nefastos acontecimentos do período ditatorial. Conjugam-se, pois, o esforço estatal e o particular na reconstrução da verdade histórica”.

Contestação de Ustra

Na ação, a defesa de Ustra argumentou que o militar negou todos os fatos a ele atribuídos e nos documentos anexados ao processo, “uma vez que nunca participou de sessões de tortura ou de qualquer ou de qualquer atividade ilegal descrita pelos autores na inicial”.

Diz também a defesa de Ustra na ação:

“Alegar anos depois que foi torturado (a) é muito fácil. Principalmente quando não se tem que provar. Traumas de filhos, perseguições políticas, ameaças de morte, telefonemas anônimos e outros são problemas que todos que lutaram contra a subversão e o terrorismo sofrem quase que diariamente.

E segue:

“O revanchismo dos que perderam as batalhas, mas que ganharam as guerras das comunicações, é permanente. São tantas as denúncias absurdas, que se vê permanentemente na mídia, com os  mais diversos fins”.

 

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