Silvio Santos, um office boy de luxo do governo, de qualquer governo
Ele ajudou a escrever a história da televisão brasileira
atualizado
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O apresentador de televisão mais longevo e famoso do Brasil deu-se mal na única vez que saiu de sua zona de conforto para tentar ingressar no mundo da política. Foi em 1989, às vésperas do primeiro turno da primeira eleição presidencial pelo voto popular desde o fim da ditadura militar de 1964.
À época, o jornalista Roberto Marinho, dono do sistema Globo de jornal, rádio e televisão, apoiava Fernando Collor de Melo, candidato à sucessão do então presidente José Sarney, para evitar a possível eleição de Lula ou de Leonel Brizola, ex-governador do Rio. E Silvio já criara sua rede de televisão – o SBT.
Carente de votos, Aureliano Chaves (PFL) desistiu de disputar a eleição. Uma ala do seu partido bateu à porta de Silvio e o convenceu a se candidatar. Collor, líder das pesquisas, entrou em pânico. Mas a Justiça abortou a aventura de Silvio – afinal, vencera há muito tempo o prazo para registro de candidaturas.
Silvio voltou ao seu nicho do qual nunca mais saiu, fiel ao princípio que se traçou: o de apoiar o governo, não importa qual fosse a orientação do governo, uma vez que televisão é uma concessão do poder público. Nas palavras dele em 1985:
“Eu sou concessionário, um ‘office boy’ de luxo do governo. Faço aqui o que posso para ajudar o país e respeito o presidente, qualquer que seja o regime”.
Repetiria a declaração em 2020, quando Bolsonaro era o presidente da República:
“A minha concessão de televisão pertence ao governo federal e eu jamais me colocaria contra qualquer decisão do meu ‘patrão’, que é o dono da minha concessão. Nunca acreditei que um empregado ficasse contra o dono. Ou aceita a opinião do chefe, ou arranja outro emprego.”
No SBT, mandava ele, e ai de quem o contrariasse. E nele mandava o governante de ocasião. Mudava a programação sem dar satisfação a ninguém e com base apenas na sua intuição, acertando muitas vezes, errando outras tantas. O SBT era o “Silvio Brincando de Televisão”, como diziam os que trabalhavam lá.
Embora tenha apoiado todos os governos desde o do general Emílio Garrastazu Médici (1969/1974), o terceiro da ditadura militar, foi com Bolsonaro que Silvio se sentiu mais à vontade. Daí à nova tradução, desta vez dada pela esquerda, à sigla do SBT: “Sistema Bolsonarista de de Televisão”.
Dez dias após a eleição de Bolsonaro em 2018, Silvio ordenou que o SBT exibisse mensagens de cunho patriótico do tempo da ditadura militar – entre elas, “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Diante dos protestos, retirou-as do ar no mesmo dia. Ele podia brincar de fazer televisão, e brincava com gosto.
Antes da posse de Bolsonaro, Silvio o entrevistou ao vivo, por telefone. Chamou-o de “um carioca muito simpático, risonho e brincalhão”, e elogiou a escolha do juiz Sergio Moro para ministro da Justiça, profetizando:
“Eu acho que você [Bolsonaro] pode ficar oito anos [no governo], depois passando para Moro e ele fica mais oito. O Brasil vai ter 16 anos de homens com vontade de fazer o país caminhar. Não vou viver até lá, é claro, mas, se depender da minha vontade e das pessoas que querem um Brasil para frente, oito anos com Bolsonaro e oito anos com Moro vão ser 16 anos de um bom caminho. Peço a Deus que isso se realize”.
Bolsonaro retribuiu o afago convidando Silvio para assistir ao seu lado o desfile militar de 7 de setembro de 2019, lançando um selo para celebrar os 90 anos de Silvio, e nomeando ministro das Telecomunicações o deputado federal Fabio Faria, genro de Silvio, casado com Patricia Abravanel.