Se parece pressão golpista, é o que é um desfile militar fora de hora
Agora, usam-se tanques e exibição de armas pesadas para a simples entrega de um convite ao presidente da República
atualizado
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Se tiver tromba de elefante, orelhas de abano de elefante, porte de elefante e movimentar-se pesadamente como um elefante, elefante é. Inútil, pois, tratar como “trágica coincidência” o desfile militar marcado para hoje, em Brasília, quando a Câmara dos Deputados votará em plenário a proposta da volta do voto impresso.
As operações militares de treinamento da Marinha acontecem desde 1998, mas nunca antes tropas entraram na Esplanada dos Ministérios para convidar o presidente da República a participar delas. Este ano, unidades do Exército e da Aeronáutica se juntarão às da Marinha numa grande demonstração de força.
Foi Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, que definiu como “trágica coincidência” o que é de fato trágico, mas não é coincidência. Na última sexta-feira, ele anunciou que a proposta de voto impresso, defendida por Bolsonaro, seria votada nesta terça-feira no plenário. Tudo indica que será enterrada.
O desfecho da operação militar da Marinha se dá em Formosa, cidade do Goiás, a uma hora e meia de carro de Brasília. Houve tempo suficiente para que o general Braga Netto, ministro da Defesa, preparasse com os comandantes das três armas o desfile militar fora de hora e com o propósito de intimidar os deputados.
Se o propósito não fosse esse, dada à repercussão negativa do episódio, bastaria um telefonema do ministro para cancelar o desfile. Quando nada economizaria combustível. Para tirar do elefante a aparência de elefante, Bolsonaro, só ontem, convidou os presidentes dos demais poderes para vê-lo recebendo o convite.
O ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, mandou dizer que não irá. Presidentes de outros tribunais superiores não deverão comparecer. Lira, como aliado de Bolsonaro, é provável que seja visto ao seu lado. Não se sabe o que fará Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado.
Bolsonaro convocou os chefes do Exército, da Marinha e Aeronáutica para a reunião ministerial também prevista para logo mais. É o ministro da Defesa que os representa em reuniões de tal natureza. Ou Braga Netto está em declínio ou Bolsonaro quer equiparar os chefes militares aos demais ministros de Estado a seu serviço.
O ex-ministro da Defesa, general Fernando de Azevedo e Silva, foi demitido do cargo porque não compartilhava as intenções golpistas de Bolsonaro. Disse-lhe não quando Bolsonaro, no ano passado, pediu-lhe para estacionar tanques defronte do prédio do Supremo, que o contrariava com suas decisões.
Este ano, antes de cair, o general outra vez disse não a Bolsonaro, que queria que um avião supersônico da FAB, de procedência sueca, comprado quando Lula ainda era presidente, desse uma rasante sobre o prédio do Supremo para estilhaçar suas vidraças. Explicaria mais tarde que fora um acidente banal.
Procede “dentro das quatro linhas da Constituição” um presidente da República capaz de fazer tais encomendas? É democrático, como se apresenta, um presidente que exalta a ditadura e a tortura e nega a alternância no poder uma vez que chegou lá? É admissível que se reeleja quem trama contra a democracia a céu aberto?
Até aqui, Braga Netto tem dito sim às vontades do ex-capitão que conheceu ainda quando os dois eram alunos na Academia Militar de Agulhas Negras, no interior de São Paulo. Bolsonaro só usa politicamente os militares porque eles docilmente se deixam usar. A uni-los, além de vantagens materiais, o medo da volta de Lula.