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O Serviço Nacional de Informação da ditadura de 64 e eu

Nos tempos da subversão

atualizado

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Ricardo Noblat em Moscou
1 de 1 Ricardo Noblat em Moscou - Foto: Reprodução

Seguem trechos da minha ficha extraída dos arquivos do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI). Aqui e ali, entre parênteses, acrescento comentários.

“Em 1968, participou do Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna/SP, integrando a representação de Pernambuco. Na ocasião, cursava o primeiro ano de Jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco, tendo sido detido e qualificado.”

(Qualificado quer dizer fichado. Tiraram minhas impressões digitais, me fotografaram e interrogaram. Éramos pouco mais de 800 estudantes. Fomos presos com fome e frio em um sítio de Ibiúna, a pouco mais de uma hora de São Paulo. Como disse Carlos Lacerda, ex-governador da Guanabara, só no Brasil um congresso clandestino reuniria tanta gente na esperança de não ser descoberto.)

“Em 20 de março de 1969, foi detido para averiguações pela Polícia Militar de Pernambuco juntamente com outros líderes estudantis que participaram do Congresso da UNE, tendo sido liberado em primeiro de abril.”

(Fiquei preso no quartel do Corpo de Bombeiros, no Recife. Foi moleza. Fui bem tratado. Já era jornalista. Passava o dia confinado no dormitório dos oficiais. Para me ocupar, dei aulas de leitura dinâmica a cabos, sargentos e capitães, uma ação que me pareceu subversiva. Quando disseram que eu poderia ir embora, não acreditei. Era primeiro de abril. Poderia ser um trote.)

“Teve sua matrícula cancelada pelo diretor da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco com base no artigo 2, parágrafo 1 do Ato Institucional número 5 de 13 de dezembro de 1968, combinado com o Decreto-Lei número 314/67 da Lei de Segurança Nacional, alterado pelo Decreto-Lei número 510/69 da Lei de Segurança Nacional.”

(Errado. Na época, o Comando do IV Exército, com sede no Recife, pressionou a direção da Universidade para expulsar dezenas de estudantes com base no Decreto-Lei 477. O decreto dizia que estudantes expulsos de universidades por atividades subversivas ficavam proibidos durante três anos de se matricularem em quaisquer outras universidades. Ou seja: teríamos mais tempo para nos dedicar a atividades subversivas. A direção da Universidade Católica preferiu se valer de um artigo do seu estatuto para expulsar 26 estudantes. Durante um ano, nenhum de nós foi aceito por outra universidade.)

“Em 1971, era tido como jornalista de esquerda, simpatizante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), atuando nas revistas Manchete e Fatos e Fotos, na sucursal do jornal Folha de São Paulo e como correspondente do Jornal do Brasil em Pernambuco. Pertenceu ao comitê estudantil do PCB.”

(Errado. Trabalhei de fato nas revistas e jornais mencionados. Mas nunca fui simpatizante do PCB. Em reuniões do diretório, ora votava com o Partido Comunista do Brasil, ora com o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, ora com a Ação Popular. O meu voto era classificado pelos colegas de “voto vacilante”. Na maioria das vezes, eu votava de acordo com a AP. Fui simpatizante da AP porque ela nasceu dentro da Igreja Católica e eu era – e ainda sou – católico.)

“Foi rematriculado na Faculdade de Filosofia da Universidade Católica de Pernambuco, tendo recebido parecer com louvor da junta de entrevista a que foi submetido.”

(Nunca soube que recebi “parecer com louvor” para ser rematriculado. Lembro que a junta de três professores que me entrevistou elogiou o fato de eu não te negado nenhuma das minhas atividades como segundo secretário do Diretório da Faculdade de Filosofia. Foram atividades públicas. Negá-las seria burrice.)

“No mesmo ano, figurou em relação de pessoas implicadas em atividades subversivas da organização Ação Popular Marxista Leninista do Brasil, executadas no período de 1968 a 1971.”

(Não sei que relação foi essa. Deve ter sido do SNI que realimentava o SNI. Faltou dizer que em setembro de 1969, no dia em que foi libertado no Rio o embaixador norte-americano Charles Elbrick, sequestrado por uma organização de esquerda, fui preso e mofei no DOPS do Recife durante quase 20 dias. Era repórter da sucursal da revista Manchete. Cobrira na véspera daquele dia a libertação do líder comunista Gregório Bezerra, um dos presos políticos despachados para o México em troca da vida do embaixador.)

“Em 1977, assinou o denominado “Manifesto à Nação” publicado no jornal “Unidade”, órgão oficial do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, a favor da volta da legalidade democrática no país. À época, integrou o grupo de empresários e jornalistas que visitaram a União Soviética sob a organização da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições de Mercado Aberto – ANDIMA).”

(A viagem patrocinada pela ANDIMA foi à União Soviética, Inglaterra e Espanha. Em Moscou, entrevistamos assessores do Secretário-Geral do partido comunista, Mikhail Gorbachev, na tentativa de entender o processo de abertura política em curso no país. Entrego logo três dos coleguinhas que foram comigo: Miriam Leitão, Noenio Spínola e Leão Serva – esse último, um perigoso agente atualmente infiltrado no portal IG.)

(Publicado em 9 de setembro de 2004)

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