O poder só emana do povo se ele votar como Bolsonaro quer
A Constituição é reescrita por um candidato em desespero
atualizado
Compartilhar notícia
Em jantar, ontem, com cerca de 300 produtores rurais, empresários do agronegócio, parlamentares ruralistas e o governador do Paraná Ratinho Júnior (PSD) em uma churrascaria de São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, Bolsonaro sentiu-se à vontade para reescrever a Constituição.
No parágrafo único do artigo 1º, a Constituição promulgada em 1988 proclama: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” A certa altura do seu discurso belicoso, onde fez pesadas críticas a Lula e ao PT, Bolsonaro afirmou:
“Dizem que o poder emana do povo. Não é verdade, a não ser que o povo escolha bem seus representantes. É a luta do bem contra o mal”.
A Constituição não estabelece quando o povo escolhe bem ou mal seus representantes. O povo pode escolher quem quiser para representá-lo. É assim onde há democracia. Mesmo no Brasil da ditadura militar de 64, também era assim, apesar das restrições e dos artifícios usados por ela para cercear a vontade popular.
A “luta do bem contra o mal” é uma questão de opinião. Bolsonaro acha-se do bem, e seus adversários do mal. Do mal é ele, devolvem os adversários. Em 2002, Bolsonaro votou em Lula para presidente, e depois foi procurá-lo querendo indicar o ministro da Defesa. Bolsonaro defende a ditadura e a tortura. É do bem?
O jantar era um evento fechado à imprensa. Mas o jornal O Estado de S. Paulo obteve o áudio com a fala de Bolsonaro que, a pretexto de denunciar um golpe em preparação, de fato advoga um golpe em contrário. Entre ministros que o aconselham a não radicalizar o discurso e outros a fazê-lo, é a esses que ele dá ouvidos:
“Sabemos o quanto está ameaçada a nossa liberdade, a liberdade de se expressar. Temos assistido com preocupação certas decisões que não condizem com o estado democrático de direito. Ninguém aqui quer dar golpe. Nós não podemos aceitar um golpe. […] Podem ter certeza que juramos dar a vida pela nossa liberdade”.
Na semana passada, uma operação da Polícia Federal, autorizada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, teve como alvo oito empresários simpatizantes de Bolsonaro. Um deles disse que prefere um golpe à volta do PT. Moraes determinou a quebra de sigilo e bloqueio das contas deles.
Sem citar diretamente Moraes, Bolsonaro disse que a “população hoje sabe o que é STF”, acrescentando: “Não estamos aqui para ofender qualquer um dos Poderes, mas sabemos da verdade, do que alguns querem, do que alguns pretendem mudar no Brasil”. É o morde e assopra, com medo de retaliações da justiça.
“Nós sabemos o que está em jogo em outubro, acima de tudo é a nossa liberdade. Se vocês começarem a empobrecer, mas continuarem com liberdade, vocês recuperarão o que perderam, mas se perderem liberdade, perderão tudo, inclusive a dignidade, a família, a propriedade privada, o direito de ir e vir”.
Daqui a cinco dias fará quatro anos da facada que ele levou em Juiz de Fora. Bolsonaro voltou a tentar proveito político do episódio: “Quando eles veem que não podem nos derrotar no voto ou de outra forma, vão para a eliminação do próximo”. Citou a morte em 1998 do deputado Luiz Eduardo Magalhães (PFL-BA).
Além de reescrever a Constituição, Bolsonaro reescreveu a história. Ex-presidente da Câmara, Luiz Eduardo, filho do cacique baiano Antonio Carlos Magalhães e seu herdeiro político, caminhava no Plano Piloto de Brasília quando morreu de infarto fulminante aos 43 anos de idade. A causa de sua morte jamais foi contestada.
Em três inquéritos, a Polícia Federal concluiu que Adélio Bispo, autor da facada em Bolsonaro, agiu sozinho. Peritos judiciais atestaram depois de examiná-lo que Adélio é um desequilibrado mental. Ele ficará detido no Presídio de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, até setembro de 2025.