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O mundo é muito mais bonito do que eu via

Por mais que nos esforcemos em o desfigurar 

atualizado

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EVERTON BALLARDIN
imagem colorida "Olhos 12", de Efrain Almeida
1 de 1 imagem colorida "Olhos 12", de Efrain Almeida - Foto: EVERTON BALLARDIN

Boa catarata para você. A não ser que você renuncie a uma vida longa. Do contrário, a catarata será praticamente inevitável.

Se tudo se desgasta com a passagem do tempo, por que logo a visão seria poupada?

Sempre me orgulhei da minha até acidentalmente descobrir que só via vultos com o olho direito.

Foi assim: lavava o rosto quando, sem querer, tapei com a mão um olho, deixando o outro aberto.

Ao notar que com o aberto só enxergava sombras, fiz o contrário, e com o outro via à perfeição. Ou pareceu-me que sim.

Repeti o teste uma dezena de vezes, sempre com a esperança de estar enganado. Não estava e desesperei-me.

Perdi uma noite de sono só de pensar que poderia estar cego de um olho. No dia seguinte bati à porta do oftalmologista, dr. Lazer Valadão. Não é nome de fantasia, mas de verdade.

Tenho um irmão que só aos 12 anos descobriu que era cego de um olho, no caso dele, mal de nascença.

Criança nos anos 1950, ouvia todas as minhas tias se queixarem de catarata. Pensei que fosse um mal de família. Era porque todas eram idosas.

Uma delas, Adelvina, morreu atropelada no centro do Recife com mais de 80 anos. Outra, Iracema, morreu com mais de 100. Minha avó materna deu à luz 17 filhos.

Eunice, minha mãe, morreu novinha para os padrões da família, com 83 ou 85 anos, jamais saberemos ao certo. Ela tinha três certidões de nascimento, cada uma com uma idade para parecer mais jovem.

Isso obrigou algumas de suas irmãs a fraudarem suas certidões para não aparentarem ser muito mais velhas do que Eunice, a caçula.

Uma em cada cinco pessoas com mais de 65 anos desenvolvem catarata. Essa proporção aumenta a partir dos 75 anos quando metade delas tem a doença.

Uma semana depois de descobrir que a catarata me pegara, operei-me do olho mais avariado. Duas semanas depois, do outro, onde a catarata já avançava, embora mais devagar.

A operação dura de 20 a 30 minutos. Você é sedado e não sente nada. Repousa meia hora numa sala do hospital e vai para casa usando um par horroroso de óculos escuros.

O pós-operatório é sem dor, mas chato: você fica pingando colírio nos olhos o dia todo, um a cada três horas, outro a cada quatro, outro três vezes por dia.

Com o olho que nada via já vejo tudo. Com o que via bem, vejo melhor. Depois de 50 anos, deixei de usar óculos com as duas lentes trifocais que me puseram.

Por gigantesco que seja o nosso empenho em desfigurá-lo, o mundo é muito mais bonito do que eu supunha, todas as cores mais vivas. É uma espécie de renascimento.

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