metropoles.com

O golpe para abolir a democracia e o silêncio cúmplice da direita

O que por um triz não deu certo

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Allan Santos/ PR
Tarcísio de Freitas e Jair Bolsonaro
1 de 1 Tarcísio de Freitas e Jair Bolsonaro - Foto: Allan Santos/ PR

Conta a lenda que um escafandrista, nos anos 1970, vestido com sua pesada roupa de mergulho, entrou no bar e restaurante Antonio’s, reduto da boemia carioca, no Leblon, sentou-se a uma mesa de canto, tirou a máscara e pediu um chope.

As outras 12 mesas estavam ocupadas, a algazarra era grande, mas todos fingiram não ver o escafandrista. Depois de algum tempo, o jornalista João Saldanha, irritado com a indiferença coletiva diante do que acontecia, subiu numa cadeira e falou em voz alta:

– Pessoal, tem um homem aqui, um escafandrista, com capacete e tudo, tomando cerveja, e isso não é normal, não pode ser normal.

Ninguém deu bola para o que disse Saldanha, nem mesmo o pacato escafandrista que, depois de tomar três cervejas e servir-se de petiscos, pediu a conta, pagou, repôs o capacete de metal que escondia todo o seu rosto e foi embora se arrastando.

A normalização do absurdo não é coisa dos cariocas da Zona Sul nem de zona alguma – é dos brasileiros em muitas partes. Antigamente, podíamos dizer que ela mostrava o quanto éramos um povo tolerante, acolhedor e capaz de conviver em relativa paz.

Hoje, não mais.  E desconfio que amanhã será muito menos. Tudo fruto da normalização do absurdo na política que avançou a galope nos últimos seis anos, despertando nossos instintos mais rudes e primitivos. Não há sinais de que isso irá arrefecer tão cedo.

Bolsonaro e seus comparsas são os maiores responsáveis, mas não só; também os que os apoiaram com entusiasmo e principalmente os que assistiram em silêncio a escalada da adoção de medidas extremas para abolir nosso modo de vida.

Não podia ser normal um presidente que acusou fraude no pleito que o elegeu com grande folga de votos. Não podia ser normal um presidente que, indiferente ao sofrimento coletivo, sabotou todos os meios de enfrentar a maior pandemia deste início de século

Não se pode dizer apenas conservadora e ainda por cima civilizada uma direita que finge desconhecer a gravidade do conteúdo explosivo do relatório da Polícia Federal sobre os golpes abortados de dezembro de 2022 e de 8 de janeiro de 2023.

O que disseram até aqui as vozes mais representativas e ouvidas dessa direita? O ex-presidente Michel Temer (MDB) limitou-se a dizer que não vê riscos para a democracia e que não há clima para golpe. Houve riscos e houve clima? Ele não comenta.

Quanto à participação de militares no plano de matar Lula, Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, Temer a minimizou, dizendo que somente uns poucos se envolveram. Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado nada disseram.

Os presidentes dos maiores partidos da direita (MDB, União Brasil, PP, PSD, Republicanos, PR), tampouco. Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, sugeriu que a investigação da Polícia Federal “carece de provas”, mas saiu em defesa de Bolsonaro.

Tarcísio é o nome mais cotado da direita que se diz democrática para disputar a eleição presidencial daqui a dois anos. Ronaldo Caiado, governador de Goiás, que já se lançou candidato, disse sobre o indiciamento de Bolsonaro:

– E daí? A vida continua. Se eu fosse ficar preocupado com as pequenas coisas, eu não governaria.

Não é uma pequena coisa o indiciamento de um ex-presidente pelos crimes de golpe de Estado, abolição violenta da democracia, roubo de joias e organização criminosa. O Brasil nunca viu nada sequer parecido. Bolsonaro deverá ser condenado e preso.

O governador Cláudio Castro, do Rio, disse não acreditar em tentativa de golpe, mas sim “em baderna”. O governador Ratinho Jr., do Paraná, afirmou que indiciamento “não é sinônimo de condenação”. De fato não é, mas ninguém disse que era.

Calado estava, calado (não Caiado) permanece Romeu Zema, governador de Minas Gerais. O único nome de peso da direita a condenar o golpe foi Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul. Essa é a gente que se oferece para suceder Lula e fazer melhor do que ele?

Os chefes militares não disseram uma só palavra para reafirmar seu compromisso com a democracia. Mesmo os que se opuseram ao golpe e os que ficaram em sua “zona de conforto”, nada viram de suspeito nos acampamentos de golpistas à porta de quarteis.

Se viram, foram cúmplices com o que por um triz não deu certo.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?