O esquecimento é uma cortina de ferro que impede antever o futuro
Só existem três poderes na República: Judiciário, Legislativo e Executivo
atualizado
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Não basta decidir que os militares não são poder moderador, como fez o Supremo Tribunal Federal. É preciso reescrever o artigo 142 da Constituição e mudar a formação dos militares.
A direita foi incapaz de vencer eleições não manipuladas na maior parte dos anos do Brasil republicano. Daí, associava-se aos militares para chegar ao poder pelo voto ou pela força.
Chegou com Getúlio Vargas em 1930 por meio de um golpe apelidado de revolução. Ali permaneceu até 1945, e por mais quatro anos, quando os militares derrubaram Vargas.
Vargas voltou eleito pelo voto popular. A direita aliou-se outra vez aos militares para derrubá-lo antes que concluísse o mandato. O suicídio de Vargas barrou a ascensão da direita.
Em 1961, a direita finalmente chegou ao poder no rastro do populista Jânio Quadros, que renunciou à presidência da República seis meses depois para retornar como ditador.
Quem assumiu foi João Goulart, o herdeiro político de Vargas, apoiado por forças de centro e da esquerda. O golpe militar de 64 pariu uma ditadura onde a direita se alojou.
Nos anos pós-ditadura, forças de centro e da esquerda mandaram nos governos José Sarney e Fernando Henrique; no de Fernando Collor mandou ele sozinho, e logo caiu.
A esquerda afirmou-se nos governos seguintes – dois de Lula e dois de Dilma, o último interrompido por um impeachment que deu lugar ao mandato-tampão de Michel Temer.
Lula teria sido eleito para suceder Temer não fosse a intervenção militar que levou Sérgio Moro a condená-lo, e não tivesse Lula preso à época das eleições de 2018.
Foi então que a direita e os militares, a nada santa aliança que ditou os rumos do país durante a ditadura, pegou carona na candidatura do extremista Bolsonaro, pensando cavalgá-lo.
Bolsonaro cavalgou-a por quatro anos. Cavalgaria por muito mais tempo se Lula, solto, não tivesse se candidatado a presidente. O golpe frustrado cindiu a santa aliança.
Isso não significa que a aliança não possa ser restabelecida. Os militares nunca estiveram tão enfraquecidos. Pela primeira vez, serão obrigados a engolir a seco a prisão de generais.
Assim, a hora é propícia para forçá-los a rever o comportamento adotado desde a proclamação da República. Se a oportunidade for perdida, quando haverá outra?
Não é suficiente que o Supremo reafirme a inexistência de um poder moderador. Enquanto o artigo 142 da Constituição não for reescrito, os militares sempre o invocarão.
O artigo 1 da Constituição diz:
“A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito.”
O artigo 2 não fala sobre quatro poderes, mas sobre três:
“São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”
O artigo 91 define com clareza o papel das Forças Armadas:
“As forças armadas, essenciais à execução da política de segurança nacional, destinam-se à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem.”
Ampara-se, porém, na redação ambígua do artigo 142 o entendimento dos militares de que exercem o papel de poder moderado. Diz o artigo:
“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
O que vimos nos anos Bolsonaro? Vimos ele atacar o Poder Judiciário, na maioria das vezes o Supremo, simplesmente ameaçando não cumprir suas decisões e ofendendo juízes.
Vimos Bolsonaro referir-se ao Exército como “meu Exército”, e dizendo que poderia chamá-lo. E o vimos a lançar dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral.
Minutas do golpe que Bolsonaro queria dar em dezembro de 2022 mencionam o artigo 142 da Constituição. Com base nele, e a pedido do presidente, os militares poderiam intervir.
Adormece no Congresso proposta de emenda à Constituição que altera a redação do artigo 142. Por que não acorda? Porque aos militares e à direita não interessa que acorde.
Hoje, o comandante do Exército, general Tomás Paiva, subscreve a decisão do Supremo de que inexiste poder moderador. E amanhã, quando o comandante for outro?
O que se ensina nas academias militares também terá de ser revisto. Ali, o golpe de 64 é chamado de revolução, e não se admite que a tortura já foi uma política de Estado.
Sem reconhecer erros, estamos destinados a repeti-los. O esquecimento do passado é uma cortina de ferro que impede antever o futuro.