metropoles.com

O “bispo vermelho” da ditadura de 64 está a um passo de virar beato

“Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista.”

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Reprodução
Dom Hélder
1 de 1 Dom Hélder - Foto: Reprodução

“Prova de amor maior não há, do que dar a vida pelo irmão”, cantavam emocionadas centenas de pessoas que lotavam na noite do dia 27 de maio de 1969 a Matriz do Espinheiro, no Recife. No altar, 40 padres celebravam missa liderados por dom Hélder Câmara, arcebispo de Recife e Olinda. Um pouco abaixo do altar, dentro de um modesto caixão, jazia o corpo do padre Antonio Henrique Pereira Neto, 28 anos.

Na véspera, depois de sair por volta da meia-noite de reuniões em casas de duas famílias no bairro de Parnamirim, Henrique, assessor de dom Hélder e responsável pela Pastoral da Juventude da arquidiocese, foi sequestrado por quatro ou cinco homens que o levaram numa Rural Willis para uma área deserta a 30 quilômetros do centro da cidade. Ali, foi torturado e morto.

A perícia do corpo concluiu que Henrique, padre há três anos, fora amarrado com uma corda e arrastado. Uma faca ou algo parecido feriu seu rosto várias vezes. A violência sofrida por ele concentrou-se na cabeça. Ela foi chutada. A corda enlaçada em seu pescoço acabou por asfixiá-lo. Por último, deram-lhe três tiros na cabeça. Tamanha demonstração de ódio tinha um sujeito oculto.

O alvo indireto do crime, um dos mais bárbaros da ditadura militar de 1964, era dom Hélder, amigo pessoal do então Papa Paulo VI, e apontado pelos generais como um perigoso comunista. Eles o chamavam de “bispo vermelho” e seguiam todos os seus passos.

O Palácio dos Manguinhos, onde ele despachava, havia sido pichado com mensagens assinadas pelo Comando de Caça aos Comunistas. Ocorrera o mesmo com a parte dos fundos da Igreja das Fronteiras onde ele morava. Assim como com o Juvenato Dom Vital, local onde ele se reunia com seus pares nordestinos. Um homem arrependido já confessara a dom Hélder que fora contratado para matá-lo.

“Querem que eu me proteja”, pregou o arcebispo na missa que antecedeu a saída do cortejo que levaria a pé o corpo de Henrique para ser enterrado no cemitério da Várzea. “Querem que eu não ande só à noite, e que não durma só. Mas quem disse que eu ando só? Andam e dormem comigo o Pai, o Filho e o Espírito Santo”.

Entre oito mil e 10 mil pessoas seguiram o caixão. De vez em quando, policiais irrompiam no meio delas para fazer prisões. Vi prendere o ex-ministro da Agricultura do governo João Goulart, o deputado Oswaldo Lima Filho. E estudantes que carregavam uma faixa onde se lia: “Os militares mataram padre Henrique”.

O cemitério estava cercado por policiais. Depois do enterro, temendo o pior, dom Hélder pediu à multidão que fosse embora sem se manifestar. E se pôs, sozinho, diante da tropa, a acenar para as pessoas com um lenço branco. Foram longos minutos de silêncio e de medo até que todos se dispersaram. Censurada, a imprensa nada publicou sobre a morte e o enterro de Henrique. Por 9 anos, ela foi proibida de citar o nome de dom Hélder.

Em junho de 2012, a Comissão da Verdade, seção de Pernambuco, concluiu que a morte de Henrique foi um crime político. Participaram dele estudantes de direita e investigadores da polícia civil sob o comando de Bartolomeu Gibson, na época Chefe de Investigações da Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco. Dos criminosos, dois ainda viviam. Mas a Lei da Anistia impedia que fossem punidos.

A Arquidiocese de Olinda e Recife informou na semana passada que o processo de beatificação de dom Hélder avançou mais uma etapa em Roma. A documentação enviada ao Vaticano foi aceita pelo Dicastério para a Causa dos Santos. Falta só mais uma etapa para que dom Hélder seja elevado à condição de beato pela Igreja Católica.

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?