Novas denúncias de corrupção tocam fogo no governo Bolsonaro
Duas histórias de arrepiar têm em comum o pagamento de propina para fechar negócios na compra de vacinas contra a Covid-19
atualizado
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Corrupção que implique desvio de recursos públicos mata. Corrupção que implique desvio de recursos públicos da área da saúde mata muito mais.
Então o que dizer de corrupção com desvio de recursos públicos destinados à compra de vacinas para combate a uma pandemia que já matou mais de meio milhão de pessoas?
Se antes se procurava a marca de batom da corrupção na cueca do governo do presidente Jair Bolsonaro, agora foi encontrada marca de vacinas – uma comprada, mas não entregue, outra rejeitada.
No princípio era o verbo de Bolsonaro a dizer que a pandemia não passaria de um resfriadinho, morrendo apenas os que tivessem de morrer. Depois, o verbo rejeitou a compra de vacinas.
Ao decidir comprá-las, Bolsonaro foi alertado pelos irmãos Miranda no dia 20 de março último que o Ministério da Saúde compraria a preço superfaturado a vacina indiana Covaxin.
Na ocasião, o presidente revelou saber quem poderia estar por trás do negócio sujo – o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara. E prometeu acionar a Polícia Federal.
Não acionou – foi o Ministério Público Federal quem o fez depois que soube da lama que ameaçava entupir os esgotos do ministério. E nem Bolsonaro afastou Barros da função de líder.
Barros sentiu-se à vontade para, juntamente com um lobista de Brasília, Sílvio Assis, no passado preso por outras falcatruas, oferecer propina para que Luis Miranda, deputado, calasse o bico.
De Assis, 11 dias depois do seu encontro com Bolsonaro no Palácio da Alvorada, Miranda ouviu a oferta de 6 centavos de dólar por cada dose da Covaxin comprada – algo como 6 milhões de reais.
Em maio, na casa de Assis e na presença de Barros, a oferta foi renovada, como Miranda já contou a amigos e está disposto a contar à CPI da Covid-19 em sessão secreta.
Como corre atrás do prejuízo, somente ontem o governo anunciou a suspensão do contrato assinado para a compra de 20 milhões de doses da Covaxin, que, por sinal, ainda não chegaram.
Também somente ontem, mas por outro motivo, o governo anunciou a demissão de Roberto Ferreira Dias, diretor do Departamento de Logística do ministério.
Luiz Paulo Dominguetti Pereira, um dos representantes no Brasil da empresa Davati Medical Supply, disse que deixou de vender vacinas ao Ministério da Saúde por recusar-se a pagar propina.
Ferreira Dias, segundo Pereira, cobrou-lhe propina no dia 25 de fevereiro durante jantar no restaurante Vasto, em Brasília, cinco dias após o encontro dos irmãos Miranda com Bolsonaro.
A Davati havia procurado o ministério para negociar 400 milhões de doses da vacina da AstraZeneca com uma proposta feita de US$ 3,5 por cada dose (depois disso passou a US$ 15,5).
Pereira com a palavra:
“Eu falei [a Ferreira Dias] que nós tínhamos a vacina, e aí ele falou: ‘Olha, para trabalhar dentro do ministério, tem que compor com o grupo’. E eu falei: ‘Mas como compor’?
Aí ele me disse que não avançava dentro do ministério se a gente não compusesse com o grupo; se a gente conseguisse algo a mais tinha que majorar [aumentar] o valor da vacina.
Aí eu falei que não tinha como, mesmo porque a vacina vinha lá de fora e que eles não operavam daquela forma. Ele me disse: ‘Pensa direitinho, se quiser vender tem que ser dessa forma’”.
A forma: acrescentar 1 dólar ao preço de cada dose da vacina. A propina que o tal grupo ganharia seria de 1 bilhão de reais, porque Ferreira Dias queria comprar 200 milhões de doses.
No dia do jantar regado a propina, o Brasil havia ultrapassado a marca dos 250 mil mortos pelo vírus. No dia seguinte, Pereira voltou a se encontrar com Ferreira Dias, dessa vez no ministério.
Esteve também com o coronel Elcio Franco, então secretário-executivo do ministério comandado, à época, pelo general Eduardo Pazuello. Sem pagamento de propina, não houve negócio.
Pazuello alegou problemas de saúde para deixar o ministério. Saiu reclamando de pressões políticas e de cobrança de “pixulé”. Ele e Franco, hoje, estão empregados no Palácio do Planalto.
Nada mais barulhento do que o silêncio de Bolsonaro sobre o escândalo que manchará para sempre a reputação do governo que se apresentava como o mais honesto da história do país.