Mourão exalta a democracia, mas descumpre um dos seus ritos
Fala à Nação foi para culpar Bolsonaro pelos desvios de condutados militares
atualizado
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De vez que o titular do cargo fugiu para o exterior com medo de ser preso e às custas do Tesouro Nacional, o general Hamilton Mourão, na condição de vice, assumiu a presidência da República, convocou uma cadeia nacional de rádio e televisão, e falou aos brasileiros para desejar-lhes Feliz Ano Novo.
Atitude civilizada, a de assumir e falar. Mas há uma brutal contradição entre o que ele disse e o que fará ou deixará de fazer hoje. Direta ou indiretamente, Mourão exaltou a democracia pelo menos três vezes em 7 minutos, a saber:
“Desejo concitá-los a lutar pela preservação da democracia…”;
“A alternância do poder em uma democracia é saudável e deve ser preservada…”
“A partir do dia 1º de janeiro de 2023 mudaremos de governo, mas não de regime! Manteremos nosso caráter democrático, com Poderes equilibrados e harmônicos, alternância política pelo sufrágio universal, pessoal, intransferível, secreto, buscando sempre maior transparência e confiabilidade.”
Perfeito. Mas se “a alternância do poder em uma democracia é saudável e deve ser preservada”; e se é necessário manter “nosso caráter democrático”, por que ele não passará a faixa presidencial ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva? Ao contrário de Bolsonaro, Mourão reconheceu os resultados das eleições.
Não reconheceria se tivesse convencido ou suspeitasse que elas não foram limpas. A desculpa que oferece para não vestir a faixa em Lula é que a obrigação de o fazer seria de Bolsonaro, não dele. De fato, seria. Mas se Bolsonaro fugiu à obrigação, ele, como presidente em exercício, não deveria copiá-lo.
A conversão de Mourão à democracia veio tarde. Na verdade, ele falou à Nação mais como candidato a suceder a Bolsonaro como líder da direita, e menos como devoto da democracia. Falou também com a intenção de culpar Bolsonaro pelos desvios de conduta das Forças Armadas nos últimos quatro anos.