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Minha solidariedade aos paulistas, agora no escuro

O último banho de cuia que tomei

atualizado

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Ricardo Noblat
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1 de 1 0226 - Foto: Ricardo Noblat

Foi divertida, mas bastante perigosa, a última vez que tomei um banho de cuia como os paulistas fazem agora, irritados e no escuro. Era abril de 1991 e eu estava em Angola, um país em guerra civil depois de ter sido colônia de Portugal desde o século XV.

O jornalismo, aqui, me fechara as portas por eu ter criticado muito o recém-eleito presidente Fernando Collor. Durante três anos, dois dos quais em Angola, a serviço de uma agência de publicidade baiana, acompanhei eleições do outro lado do balcão.

A agência fora contratada para cuidar do marketing político do presidente José Eduardo dos Santos e do seu partido, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA). Seria a primeira eleição da história de Angola desde sua independência.

O acordo de paz que tornaria a eleição possível ainda não havia sido firmado. A segurança de Luanda, capital do país, estava entregue a oficiais e soldados cubanos enviados por Fidel Castro. O toque de recolher, à noite, era rigoroso. E ouviam-se tiros.

Na companhia de colegas de trabalho, e a convite de Manuel Pacavira, membro do birô político do MPLA, fui conhecer o Cuanza Norte, uma das 18 províncias de Angola, a pouca distância de Luanda. O helicóptero voava baixinho para escapar de mísseis.

Se voasse alto, mais facilmente poderia ser atingido. À noite, em N’Dalatando, capital da província, na falta de hotéis, fomos dormir em uma desativada agência de um banco português. As paredes eram decoradas com tapetes Gobelin, fabricados em Paris.

Fazia calor e, para variar, ouvíamos tiros e o barulho de helicópteros que passavam levando presos guerrilheiros da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), movimento apoiado pelos Estados Unidos e a África do Sul.

Havia um modo eficiente de forçar a confissão dos guerrilheiros: o helicóptero levantava voo com três ou quatro deles amarrados e cercados por soldados do MPLA. Escolhia-se um, e sem nada lhe perguntar, ele era jogado no mar. Os outros contavam tudo.

O banheiro da agência desativada do banco era de mármore de Carrara nas cores branca e azul-cinza. Mas o chuveiro não funcionava. Nossos hospedeiros tiveram o cuidado de encher a banheira de água e de providenciar uma cuia pequena.

Eu disse que foi o último banho de cuia que tomei. O certo seria dizer que foi o último banho de cuia que tomei em N’Dalatando. Porque em Luanda, no melhor hotel da cidade, o Tivoli, com frequência tomávamos banhos de cuia devido à falta de energia.

Meus netos amam tomar banho de cuia aqui em casa. Só assim concordam em largar os malditos celulares.

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