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Mar de lama represado pelo orçamento secreto ameaça engolir o governo

Se comparado com o que se faz hoje para reeleger o presidente da República, o mensalão do PT em 2005 foi obra de amadores

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Cerimônia do Prêmio Marechal Rondon de Comunicações conta com a presença do presidente bolsonaro, lira e pacheco 7
1 de 1 Cerimônia do Prêmio Marechal Rondon de Comunicações conta com a presença do presidente bolsonaro, lira e pacheco 7 - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Não surpreende que governos trapaceiem, embora este, do presidente Jair Bolsonaro, de quem seus devotos esperavam uma conduta moral irrepreensível, destaque-se como o mais indecente da história do país desde o fim da ditadura militar de 64.

O que surpreende é que uma vez descobertas, as trapaças sigam valendo, outras sejam tentadas e ninguém de fato acabe punido. Trapaça pode ser um contrato fraudulento, como ensinam os dicionários. Ou uma simples ação de má fé para enganar os outros.

Um contrato fraudulento, Bolsonaro a frente dele, chegou a ser assinado para a compra da vacina indiana Covaxin. Foi cancelado depois que a CPI da Covid-19 o denunciou, e unicamente só por causa disso. A história está contada no relatório final da CPI.

Trapaça foi a prescrição de drogas ineficazes para o combate à pandemia. Ninguém mais do que Bolsonaro deixou suas impressões digitais na trapaça que evoluiu para crime porque custou milhares de vidas que poderiam ter sido salvas.

No momento, quer trapaça maior, feita à luz do dia e publicada em Diário Oficial, do que a invenção do orçamento secreto para a compra de apoio à reeleição de Bolsonaro no ano que vem? Porque é disso que se trata o que é chamado de “emendas do relator”.

Não é novidade, e está de acordo com a lei, as emendas individuais ou coletivas de parlamentares ao Orçamento da União para a construção de pequenas obras em estados e municípios. Uma vez que aprovadas pelo Congresso, cabe ao governo pagá-las.

Novidade é a reserva de uma bilionária fatia do orçamento para ser administrada ao gosto do relator da lei orçamentária, e a salvo do conhecimento público. O relator é um preposto do presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL).

Lira, hoje, disputa com Bolsonaro a condição de o homem mais poderoso da República. Bolsonaro, pelo menos, é obrigado a justificar todas as suas decisões, embora nem sempre o faça. Lira, não, e ainda conta com um caixa formidável.

Também nocivo, o mensalão do PT no primeiro governo Lula foi obra de amadores. Via contratos fajutos de publicidade, o PT remunerava deputados que votassem como o governo mandava. Os subornados sacaram o dinheiro em bancos, deixando rastros.

O esquema montado pela dupla Bolsonaro e Lira é mais simples, ao mesmo tempo mais engenhoso, com a vantagem de estar coberto por lei. Acontece que se depender da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal, o orçamento secreto será implodido.

Esta semana, o Supremo analisará a decisão de Rosa de suspender os pagamentos do governo feitos por meio do orçamento secreto.  Um naco dele de 1,2 bilhão comprou votos para aprovar a Proposta de Emenda à Constituição dos precatórios.

Votada em primeiro turno pela Câmara na última quinta-feira, a proposta aplica um calote em dívidas da União transitadas em julgado, e desrespeita a lei do teto de gastos. Em 2010, o Supremo estabeleceu que precatório fosse pago sem maior demora.

No último 7 de setembro, em comício na Avenida Paulista, Bolsonaro vociferou que não mais obedeceria a ordens judiciais. Não satisfeito, tachou de “canalha” o ministro Alexandre de Moraes. Na ocasião, talvez antevisse o caso dos precatórios.

Se a maioria dos ministros do Supremo acompanhar o voto de Rosa, o distinto público, afinal, saberá em pouco tempo quem dentro do Congresso recebeu dinheiro do governo para votar assim ou assado; quando e quanto recebeu; e o destino dado ao dinheiro.

Mais de um prefeito foi visto em Brasília com mala de dinheiro para pagar a deputado que pôs à venda parte do que recebeu via orçamento secreto. Tem deputado que repassou dinheiro a municípios de estados a milhares de quilômetros do seu.

Sobre o governo de Getúlio Vargas nos anos 50, dizia-se que estava prestes a ser engolido por um mar de lama. Abertas as comportas do orçamento secreto, o mar de lama de Vargas não passará de um acanhado brejo. Vargas matou-se em defesa de sua honra.

Nestes tempos tristes que vivemos, político não se mata ao ter sua honra enxovalhada. Simplesmente declara-se inocente, invoca o direito a foro privilegiado e aposta que a Justiça, além de cega e muitas vezes conivente, é lenta por natureza.

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