Lula chama de golpe o impeachment de Dilma avalizado pelo STF
Reescrevendo a história
atualizado
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Em sua primeira viagem internacional depois da posse festiva de 1º de janeiro e dos ataques de bolsonaristas ensandecidos do dia 8º aos prédios dos três Poderes da República, Lula chamou duas vezes o ex-presidente Michel Temer de “golpista” – a primeira na Argentina, a segunda, ontem, no Uruguai.
Se a intenção de Lula com isso é convocar Temer à beira do palco da política, faz sentido; o ex-presidente agradece e se apresenta. Mas se não for, não teria porque devolver-lhe a notoriedade perdida. A intenção talvez seja agradar a ex-presidente Dilma e a esquerda do PT, que reclama de sua moderação excessiva.
Política é assim, e Lula, o único brasileiro eleito pelo voto popular a governar o país pela terceira vez, deve saber muito o que faz. É pretensão tentar ensinar-lhe algo que não tenha aprendido em mais de 40 anos de militância política. As nove eleições presidenciais do Brasil pós-ditadura militar se fizeram à sua sombra.
A história é escrita pelos vencedores. Embora colecione derrotas, Lula ganhou mais do que perdeu até aqui. É possível que queira reescrever a história da derrubada de Dilma. Para isso, não deveria dispensar a colaboração do seu amigo Ricardo Lewandowski, ministro do Supremo Tribunal Federal por indicação dele.
Foi Lewandowski, como presidente do tribunal, quem conduziu o processo de impeachment de Dilma, e disse que estava ok. Segundo ele, o rito de destituição da presidente seguiu todas as regras da Constituição. Verdade que uma vez cassado, um presidente perde também os direitos políticos, e Dilma não perdeu.
Mas esse, digamos, é um detalhe que o ministro e seus pares preferiram ignorar. Dilma, nas eleições seguintes, candidatou-se a uma vaga no Senado por Minas Gerais, e perdeu. Nunca mais se candidatou a nada. Para eventualmente não perder votos, Lula evitou durante a campanha falar em golpe contra Dilma.
Agora, para ele, o tema deixou de ser um tabu. Compreensível. Dilma foi acusada de desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal ao empurrar com a barriga dívidas do Tesouro Nacional. Ela, de fato, pedalou dívidas, como seus antecessores no cargo fizeram, como a Americanas fez e seus donos dizem que não sabiam.
No regime parlamentarista, um governo cai quando lhe falta apoio político; então, o presidente convoca novas eleições e um novo primeiro-ministro é eleito. No regime presidencialista, o Congresso aprova o impeachment do presidente e o vice assume. O motivo é sempre o mesmo: falta de apoio político.
Temer conspirou para provocar a queda de Dilma? Conspirou, sim, por mais que negue. Com a ajuda indireta da própria Dilma, que a certa altura, ao promovê-lo à condição de coordenador político do governo, ofereceu-lhe o mapa da mina – a lista dos políticos detentores de cargos na administração pública.
O impeachment é sempre mais traumático do que a aprovação pelo Parlamento de um voto de desconfiança que remova o primeiro-ministro. Não é um recurso que deva ser banalizado, como o voto de desconfiança é. Chamá-lo de golpe, porém, como disse em 2016 o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é um exagero:
“Golpe é uma palavra um pouco dura, que lembra a ditadura militar. O uso da palavra golpe lembra armas e tanques na rua”.