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Justiça toma a mais afiada arma que Bolsonaro tinha para se reeleger

Um presidente narcodependente de fake news

atualizado

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Igo Estrela do Metropoles e Wilton Junior do Estadão
Bolsonaro
1 de 1 Bolsonaro - Foto: Igo Estrela do Metropoles e Wilton Junior do Estadão

Estava tudo pronto no Palácio do Planalto para o anúncio em grande estilo de mais um programa capaz de acrescentar votos a um presidente carente deles, e justamente entre os eleitores que mais o rejeitam – as mulheres de todas as idades.

Resplandecia o salão lotado de parlamentares bolsonaristas, servidores públicos acostumados a aplaudir e demais convidados, todos em trajes formais. Falariam a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, a primeira-dama Michelle, e Bolsonaro.

Não é comum Michelle falar. E pelo protocolo, a última palavra é sempre do presidente. A ministra foi muito aplaudida, e um Bolsonaro visivelmente aturdido, cancelou a fala da primeira-dama e usou 21 dos 48 minutos da cerimônia para desabafar.

Pouco antes, porém, na direção de uma pessoa não identificada e sentada na primeira fileira das cadeiras, ele fez com os dedos da mão direita o número 3, depois, com a mão esquerda, o número 2, e por fim, outra vez com a mão direita, o sinal de negativo.

Três foram os votos dos ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal que há pouco haviam confirmado a cassação do deputado do Paraná Fernando Francischine (PL), acusado de disseminar notícias falsas. Dois ministros votaram contra.

Com isso, abriu-se o precedente que Bolsonaro temia: doravante, quem distribuir fake news arrisca-se a ser punido. Francischine, do mesmo partido de Bolsonaro, foi o primeiro. O que se ouviu em seguida foi o discurso de um presidente apoplético.

“Eu vou falar sobre o tema”, disse Bolsonaro, referindo-se ao programa que tem como alvo as mulheres. Não falou, a não ser por alguns segundos. Gastou o tempo a vociferar contra a Justiça, a contradizer-se e a ameaçar ministros do Supremo.

“Enquanto a gente está em evento voltado para a fraternidade, aqui do outro lado da Praça dos Três Poderes, uma turma do STF, por 3 a 2, manteve a cassação de um deputado acusado de espalhar ‘fake news’. Esse deputado não espalhou ‘fake news’ porque o que ele falou eu também falei para todo mundo: que estava tendo fraudes nas eleições de 2018. Quando se apertava o número 1, já aparecia o 13 (do PT) na tela e concluía a votação”.

Bolsonaro tem provas disso? Se tem, nunca as mostrou.

“Pode alguém ser punido por fake news? E se não for fake news, for uma verdade? Pior ainda… Eu não vou viver como um rato. Tem que haver uma reação”, disse ele, aos gritos.

“Deputados que estão aqui e que estejam nos ouvindo, vai chegar a sua hora se vocês não se indignarem. Não existe especificação penal para fake news. Se for para punir com fake news a derrubada de páginas, fechem a imprensa brasileira que é uma fábrica de fake news. Não existe tipificação penal para fake news. Se tiver, que feche a imprensa”.

Foi em frente:

“Ganhava a eleição quem tinha mais voto na urna. Agora, parece que ganha quem tem mais amigos no Tribunal Superior Eleitoral. Entrego para qualquer um a faixa, mas tem que ganhar no voto, transparente”.

“Eu fui do tempo em que decisão do Supremo não se discute, se cumpre. Eu fui desse tempo. Não sou mais. Certas medidas saltam aos olhos dos leigos. É inacreditável o que fazem. Querem prejudicar a mim e prejudicam o Brasil”.

Chamou o ministro Edson Fachin, presidente do tribunal, de “marxista leninista” e “advogado do Movimento dos Sem Terra”. E criticou o Supremo onde está para ser votada uma proposta de ampliação das reservas indígenas.

“O Supremo está discutindo o marco temporal no Brasil. Uma nova interpretação querem dar a um artigo da Constituição. […] O que eu faço se aprovar? Entrego a chave para os ministros do Supremo ou digo: ‘Não vou cumprir’?”

Citou uma declaração de Fachin, de que as eleições são um assunto para forças civis e desarmadas, e afirmou que ela foi ofensiva porque o próprio tribunal convidou o Exército a participar da Comissão de Transparência Eleitoral.

“Convidaram o Exército para quê, ora bolas? Para fazer papel de quê? Sou chefe das Forças Armadas. Não vamos fazer o papel de idiotas. Tenho a obrigação de agir. Tenho jogado dentro das quatro linhas, não acho uma só palavra minha fora da Constituição”.

Há aos montes palavras ditas por ele fora da Constituição, mas, segundo Bolsonaro é Fachin que comete “um estupro contra a democracia brasileira”. Atacou os ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso:

“O que eles querem, uma ruptura? Por que eles atacam a democracia o tempo todo? Qual a isenção deles para conduzir as eleições?”

E vestiu, como de hábito, a mortalha de vítima:

“De forma indireta, atacam o presidente da República como um homem que não respeita a Constituição, que não respeita o processo eleitoral, que pensa em dar um golpe. […] Para mim, é muito mais fácil estar do outro lado. Tenho a família toda perseguida, até minha esposa, canalhas. Vem pra cima de mim, se são homens”.

Por último, voltou a levantar dúvidas sobre a lisura do sistema eleitoral brasileiro:

“Ganhe quem ganhar as eleições, eu entrego a faixa, mas em eleições limpas e auditáveis. Confio nas máquinas, não confio quem está atrás das máquinas”.

Vai fazer o quê, Bolsonaro, além de espernear? Estuprar a democracia recusando-se a aceitar os resultados das eleições se lhe forem desfavoráveis?

 

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