Joias milionárias em troca de serviços prestados aos sauditas
Assalto aos cofres públicos, mas “dentro das quatro linhas da Constituição”
atualizado
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Os Bolsonaros evoluíram. Foi sob o estigma da rachadinha que a família subiu a rampa do Palácio do Planalto pela primeira vez em janeiro de 2019. Carlos, o filho Zero Dois, carregava um revólver na cintura. Desfilara armado em carro aberto ao lado do pai pela Esplanada dos Ministérios repleta de camisas amarelas.
Foi sob o estigma do roubo de joias milionárias doadas pela ditadura da Arábia Saudita ao Estado brasileiro que o patriarca dos Bolsonaros e sua encantadora mulher fugiram do país em 30 de dezembro último. O golpe planejado para aquele mês fracassara, porque o Alto Comando do Exército dividiu-se na hora de apoiá-lo.
Todos os generais eram bolsonaristas, uns mais do que os outros. Ajudaram a eleger Bolsonaro presidente, ajudaram-no a governar e se beneficiaram disso, ajudaram-no a se reeleger, mas uma parcela não estava disposta a arriscar a carreira participando de um golpe que poderia não dar certo, como não deu.
A apropriação de parte dos salários pagos a funcionários dos Bolsonaros, a tal da rachadinha, foi ofuscada pelo escândalo das joias. Rachadinha é uma invenção antiga. Sempre existiu e continuará existindo. No caso, fez diferença, porque nunca um presidente fora acusado de valer-se dela para enriquecer.
As joias, pelo seu valor excepcional, contam uma história que a Polícia Federal corre atrás. Foi recompensa por relevantes serviços prestados por Bolsonaro aos sauditas, mas ainda ocultos? Foi pagamento adiantado por serviços a serem prestados tão logo ele se reelegesse? Uma espécie de aposta no mercado futuro?
Apenas o conjunto de joias destinado a Michelle foi avaliado em R$ 4.150.584. E tem mais na caixa de joias, como um relógio todo de diamantes, da pulseira ao mostrador, e avaliado em R$ 1 milhão. Observa uma perita da Polícia Federal ouvida pelo “Fantástico”, programa da Rede Globo de Televisão:
“E não é só a qualidade dos diamantes que conta. É também a quantidade, porque não são dezenas ou centenas. São milhares. Só no conjunto que tem o colar, a perícia identificou 3.161 diamantes, cada um avaliado individualmente.”
As peças masculinas também têm diamantes. Na caneta de ouro branco, eles são pequeninos, mas muitos: 1.120, o que deixa o valor da peça em R$ 100 mil. O Rolex, que faz parte do kit ouro branco, tem 184 diamantes. No mostrador de madrepérola, as pedras substituem os números. E há rubis até no mecanismo interno.
Em 2022, os kits masculinos de joias foram levados para os Estados Unidos em voo oficial. Na Pensilvânia, o tenente-coronel e ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, vendeu o Rolex e outro relógio da marca Patek Philippe. Os dois itens foram vendidos por US$ 68 mil. Só o Rolex valia US$ 75 mil.
O dinheiro apurado foi depositado na conta do pai de Cid, general Mauro Lourena Cid, que morava em Miami, e enviado aos poucos para o Brasil. O kit de ouro rosé foi para uma casa de leilões em Nova York, onde foi resgatado em março pelo grupo do coronel Cid e entregue ao Tribunal de Contas da União.
Acredite se quiser: o advogado de Cid, Cezar Roberto Bittencourt, afirma que seu cliente não sabia que era ilegal vender as joias. Não sabia mesmo:
“Ele [Cid] retirou o dinheiro e destinou a quem era de direito, a família presidencial, o presidente, a primeira-dama.”
A Polícia Federal encontrou uma mensagem no celular de Cid, o filho, que indicam que Bolsonaro sabia das tentativas do seu ajudante de ordem de vender e, depois, resgatar as joias. À CNN Brasil o próprio Bolsonaro já confessou:
“Alguém falou que poderia vender. Aí eu falei: ‘Faz aí, mas dentro das quatro linhas. Se pode vender, então vende’.”