Insucesso de público, outra vez em cartaz a peça Jair paz e amor
Aquele que se apresentou como o exterminador do “sistema” a ele se dobra para não ter seu mandato abreviado
atualizado
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Dólar fora do controle. Pandemia aparentemente sob controle, mas sujeita ao aparecimento de novas variantes. Inflação recorde, beirando à casa dos 10% nos últimos 12 meses. Disparada no preço dos combustíveis e greve dos caminhoneiros. Reformas econômicas paralisadas. Ameaça de calote no valor de 90 bilhões em dívidas judiciais vencidas. Crise hídrica às portas.
Na política, Centrão dá as cartas. Presidente sem partido rejeita todos eles e todos o rejeitam por tratar-se de uma companhia nefasta. Crise institucional que se arrasta pondo em choque o Executivo e o Judiciário. Fantasma do golpe que ora assombra, ora se retrai para de novo assombrar. Eleições polarizadas à vista, o que só contribui para o aumento das tensões.
Diante de um quadro desses, os que de fato mandam e sempre mandaram no país decidiram intervir – e de novo está servida a farsa de um presidente cronicamente pecador que se diz arrependido dos seus pecados. A versão Jair paz e amor, por falsa, não convence ninguém. É um clássico encenado sempre que o presidente acidental se vê em apuros, acuado, e com medo de cair.
“O grupo dos cinco não brinca em serviço”, observou um deputado federal paulista que conhece o caminho das pedras. “Não rasga dinheiro, acumula, e não põe seus negócios em perigo para dar suporte a um presidente doido.” O grupo dos cinco tem por endereço a Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, sede da maior fatia do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
O discurso incendiário de Bolsonaro no 7 de Setembro na Avenida Paulista derrubou a Bolsa de Valores no dia seguinte e pôs em circulação a ideia de que o impeachment seria a única solução. Cauteloso, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, consultou suas fontes do mercado. O PSDB e o PMDB apressaram-se em declarar que topavam discutir o impeachment.
Então se fez ouvir a voz dos donos do poder, e ela foi peremptória: impeachment, não, jamais. Bolsonaro que se dane, mas o impeachment seria um tormento com duração de 6 a 7 meses, causando sérios danos à economia. Lira, boneco de ventríloquo do mercado, então ficou contra. PSDB e PMDB recuaram para não perder seus financiadores. Mas isso só não bastaria.
Faz mais de ano que o ex-presidente Michel Temer abriu um canal de comunicação com Bolsonaro e, a pretexto de “dar palpites”, aconselha-o em momentos delicados. Na maioria das vezes não é ouvido. Mas desta vez Bolsonaro fora previamente avisado de que o mercado falaria pela boca de Temer. E ouviu-o com atenção. Assinou a nota que ele trouxe pronta e divulgou-a de imediato.
Bom menino, esse rapaz que se elegeu presidente prometendo destruir o “sistema”, mas que a ele se submete para tentar sobreviver. Bolsonaro está em avançado estágio de decomposição. Com popularidade em queda, sem dinheiro para prorrogar o pagamento do auxílio emergencial e anabolizar o programa Bolsa Família, vê-se na direção de uma derrota fragorosa ano que vem.
O que lhe resta senão conformar-se com ela ou tentar evitá-la mediante um ato de força, embora lhe falte força para tal? A reapresentação por curta temporada do Jair paz e amor pode funcionar como uma trégua em meio a uma batalha. Bolsonaro vai lamber as feridas, contar o número de feridos e mortos que perdeu e dar tratos à bola sobre o que fazer doravante.