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HÁ VINTE ANOS – The Economist apoia John Kerry para presidente dos EUA

Algo comum na imprensa livre: o endosso a candidatos (Por Armando Mendes)

atualizado

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Jakub Porzycki/NurPhoto via Getty Images
Casa Branca
1 de 1 Casa Branca - Foto: Jakub Porzycki/NurPhoto via Getty Images

A revista britânica The Economist, certamente a publicação mais influente do mundo rico, declarou apoio ao candidato democrata John Kerry nas eleições presidenciais americanas. É uma decisão surpreendente: The Economist era fã de carteirinha de George Bush, o atual presidente e candidato à reeleição, e foi insistentemente favorável à guerra do Iraque. Ainda é, apesar de todas as mentiras desmascaradas desde a invasão.

A revista explica a reviravolta: na opinião dela, os dois candidatos têm falhas profundas, mas é hora de mudar. Bush foi incompetente na guerra ao terror, avaliou mal o custo da ocupação e a força da resistência iraquianas, e se mostra incapaz de admitir e corrigir erros. Já Kerry é incoerente — é difícil saber o que ele pensa realmente de alguns dos temas centrais em jogo na eleição. Ainda assim, e com “o coração pesado”, a redação prefere arriscar a mudança a manter Bush na presidência por mais quatro anos.

“Se tivéssemos um voto, o daríamos a John Kerry”, anuncia o editorial principal do número da revista que estará nas bancas neste fim-de-semana. Além dos erros já citados, a crítica da Economist a Bush pesa a mão num ponto: direitos humanos. Como exemplos, é claro, a brutalidade com que o governo americano trata os prisioneiros de Guantánamo, em Cuba, e o descaso com as torturas de iraquianos detidos na prisão de Abu Ghraib, em Bagdá.

“Este governo, que proclama estar lutando pela justiça, pela liberdade e pelo estado de direito, encarcera centenas de pessoas, culpadas ou inocentes, sem julgamento ou acesso a defesa legal”, acusa o editorial. Além disso, na opinião da revista, Bush perdeu credibilidade ao não demitir o secretário de Defesa Donald Rumsfeld em resposta aos horrores de Abu Ghraib.

Agindo assim, alimentou a suspeita de que o governo compactua com os maus-tratos e as torturas. (Cá pra nós: suspeita é palavra muito educada no caso. No Brasil, Chile, Argentina, Guatemala, El Salvador – nas Américas pobres ou remediadas, enfim -, há muito tempo sabemos que governos norte-americanos não têm o menor escrúpulo em compactuar, ensinar e promover ativamente a tortura quando acham que isso convém à sua própria segurança).

The Economist junta-se aos 142 jornais norte-americanos que declararam apoio ao candidato democrata nos últimos dias. Bush, de seu lado, recebeu o endosso de 123 jornais, mas o número mais interessante é outro: 36 jornais que tinham apoiado Bush na eleição de 2000 viraram casaca e estão agora com John Kerry, contra apenas seis que tinham apoiado o candidato democrata Al Gore em 2000 e passaram para o lado republicano nesta eleição (estes números foram compilados pela revista Editor & Publisher, que cobre a indústria jornalística norte-americana, e citados pelo Washington Post).

Para nós, o mais interessante mesmo é os jornais declararem abertamente seus candidatos, algo corriqueiro nos Estados Unidos e na Europa. Para entender essa tradição, é preciso ver os leitores como seres pensantes e não consumidores passivos. A propósito, vale prestar atenção a um ex-editor da mesma The Economist: a revista, diz ele, “é um jornal da sexta-feira onde os leitores (…) podem testar suas opiniões contra as nossas”.

Aqui, por enquanto, jornalões e revistas continuam a fingir que são objetivos e imparciais e a tratar os leitores como idiotas sem memória, opinião ou vontade. Acreditam que enganam a quem?

 

(Publicado aqui em 29 de outubro de 2004)

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