HÁ VINTE ANOS – O presidente é Lula, mas Palocci é quem manda
(Publicado aqui em 29 de abril de 2004)
atualizado
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03:02
Há um ano, no mínimo, o governo sabia que agora em abril teria de anunciar um novo reajuste do salário mínimo. Se quisermos ser exigentes, podemos afirmar que Lula e sua turma sabem que abril é mês de reajuste desde que o salário mínimo foi criado, lá se vão muitas décadas.
Por que não se prepararam para anunciar o reajuste sem ter que pagar o preço de toda essa demora? É inacreditável como o governo é seu maior adversário. Ele não precisa de oposição.
Pode a oposição calar, cruzar os braços e deitar-se no fundo de uma rede que o próprio governo fará por onde sangrar sem necessidade.
Os partidários do reajuste maior possível do salário mínimo comemoraram ontem a concessão feita pelo ministro da Fazenda. Ele admitiu conceder R$ 1,00 a mais do que desejaria. Antonio Palocci emperrou num salário mínimo de R$ 256,00. Lula está empenhado em conseguir mais.
Os papéis se inverteram: Lula pede, suplica, implora, argumenta; Palocci diz não, não, não, evolui para talvez, ali empaca, e a decisão se arrasta. Saia o reajuste que sair, o governo já perdeu a essa altura.
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14:01
O governo continua reunido discutindo o reajuste do salário mínimo. Esta é a sexta reunião para tratar do mesmo assunto. A primeira, no último dia 14, arrastou-se por 5 horas. A de ontem, a mais curta, durou 2 horas. Até ontem foram mais de 17h de discussões.
Este é um governo que sabe o que quer. E que joga junto. (Atenção: “governo que sabe o que quer” é ironia pura”.)
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14:22
Há mais desavenças dentro do governo e na periferia dele do que sugere a vã filosofia. Os ministros José Dirceu e Luiz Gushiken são inimigos cordiais. José Dirceu e o senador Eduardo Suplicy são inimigos cordiais. Aloizio Mercadante, líder do governo no Senado, e José Dirceu são inimigos cordiais.
Lula acha que Mercadante “só faz zoada”. E que Gushiken não entenda nada do que faz – no caso, a comunicação do governo. José Dirceu e Palocci disputam para ver quem mais influencia Lula. Aldo Rebelo, ministro da Articulação Política, não é inimigo de ninguém, mas não se sente à vontade no cargo sob a poderosa sombra de José Dirceu.
Os demais ministros a tudo assistem sem querer se meter – ora porque não querem perder o emprego, ora porque não seriam escutados mesmo por quem de direito. E segue o bonde de Lula.
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15:22
Palocci ganhou mais uma. O salário mínimo ficará em R$ 260,00. Foi até generoso: só queria dar R$ 256,00. Mão aberta, esse Palocci!
É o que escrevi ontem aqui: Chega de intermediário. Palocci para presidente. Lula não ganha uma dele.
Palocci tem um argumento poderoso para vencer as paradas: se não fizerem como ele diz, o mercado financeiro enlouquece, os investidores internacionais fogem e tudo irá para o brejo.
Quando tal argumento não funciona, ele saca outro que costuma ser mortal: Bem, se vocês não confiam no que digo, vou embora. Lula morre de medo de que ele vá embora.
Não seria correto dizer que o governo é refém de Palocci. Não é. É refém da falta de alternativa à política econômica que herdou.
Pode até existir alternativa. Só que o governo não vê. Ou acha que não existe.
E segue o bonde de Lula.