Faixa de Gaza vira campo de concentração para palestinos pobres
Ali vivem, há 16 anos, 2,3 milhões de pessoas sob o bloqueio de Israel. O mundo faz de conta que não vê
atualizado
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Assim como as grandes potências do mundo ocidental fecharam os olhos ao sofrimento dos judeus enquanto eles eram dizimados pela Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial, agora procedem do mesmo modo em relação ao sofrimento imposto por Israel aos palestinos que vivem na Faixa de Gaza.
Nenhuma das grandes potências ignorava a existência de campos de concentração com suas câmeras de gás para matar judeus, ciganos e outras minorias, mas denunciar a existência deles ou atacá-los não fazia parte de suas prioridades. Era preciso derrotar Hitler rapidamente para poupar vidas de soldados aliados.
O mesmo raciocínio se aplicou à guerra contra o Japão. Derrotá-lo pelos meios convencionais custaria milhares de vidas a Estados Unidos, Rússia, Reino Unido e França. Então, os Estados Unidos lançaram duas bombas atômicas que mataram entre 90 mil e 166 mil pessoas em Hiroshima, e 60 mil a 80 mil em Nagasaki.
Em maio de 2016, o presidente Barack Obama visitou Hiroshima para depositar uma coroa de flores no monumento aos mortos. Hiroshima e Nagasaki não faziam parte do complexo industrial militar do Japão durante a Segunda Guerra. Perguntaram a Obama se ele pediria perdão pelo que seu país fez. Resposta:
“Não, porque creio que é importante reconhecer que, no meio de uma guerra, os líderes tomam todo tipo de decisões.”
Joe Biden era vice de Obama. Biden, ontem, como presidente dos Estados Unidos, falou ao mundo sobre os ataques do grupo terrorista Hamas que matou até aqui mais de 998 israelenses e feriu cerca de 3.420. Não deu uma palavra sobre os 950 palestinos mortos e os 5 mil feridos por causa dos ataques de Israel a Gaza.
Quando Israel começou a bombardear a Faixa de Gaza, no sábado à noite, a mulher de Amer Ashour entrou em trabalho de parto. “Estava preocupado em como chegaríamos à maternidade”, contou Ashour. O que não esperava é que, quando saísse do hospital, com o filho recém-nascido, não tivesse mais onde morar.
O apartamento de Ashour foi pulverizado por uma bomba israelense. Sua família faz parte dos mais de 180 mil habitantes da Faixa de Gaza que viram suas casas reduzidas a pó e destroços pelo bombardeio aéreo mais intenso de 75 anos de guerra entre israelenses e palestinos. Quem Israel pune?
“Há [16] anos, Israel reagiu à tomada de controle da Faixa de Gaza pelo Hamas, impondo a sanção coletiva de um bloqueio, sem precedentes, aos cerca de 2 milhões de habitantes deste território”, lembra Jean-Pierre Filiu, professor de Estudos do Oriente Médio no Instituto Sciences Po, em Paris.
Gazza tornou-se o que o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy chamou em 2007 de “a maior prisão do mundo a céu aberto”. Isso não impediu que, desde então, tivessem acontecido quatro guerras entre Israel e Hamas (2008-2009, 2012, 2014 e 2021). “Neste 7 de Outubro, o caldeirão acabou por explodir”, observa Filiu.
O bloqueio barra o acesso da população de Gaza a serviços fundamentais em Jerusalém, como cuidados especializados de saúde, bancos e educação. A taxa de desemprego é elevadíssima; duplicou de 23,6% em 2005, antes do bloqueio, para 49% em 2020. A taxa de pobreza saltou de 40% para 56%.
Israel limita a importação de alimentos a uma cesta básica de subsistência mínima, “que é suficiente para sobreviver sem desenvolver má nutrição”, segundo investigadores da Universidade Americana de Beirute (Líbano). Na verdade, 80% da população depende da ajuda humanitária internacional para sobreviver.
A mesma política aplica-se a eletricidade, combustível e água. Antes do início dos bombardeios no sábado, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, aconselhou os palestinos civis a abandonarem a Faixa de Gaza. Mas eles não podem fazê-lo. As duas entradas e saídas foram fechadas por Israel e Egito.
Gaza virou um campo de concentração para palestinos pobres, e uma fortaleza para o Hamas que os usam como escudos. “Combatemos animais humanos, e agimos em consequência”, justifica o ultradireitista Yoav Galant, ministro da Defesa de Israel. “Nem eletricidade, nem alimentos, nem combustível.”